São Paulo, Sábado, 20 de Março de 1999
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TEATRO
O diário de Lori


Com Iara Jamra e direção de Bete Coelho, estréia em Curitiba "O Caderno Rosa de Lori Lamby", de Hilda Hilst


ERIKA SALLUM
enviada especial a Curitiba

No início da década, a escritora Hilda Hilst chocou a comunidade literária ao lançar um livrinho de 86 páginas repleto de ilustrações de Millôr Fernandes.
Na capa, colorida, a obra estampava o infantil título de "O Caderno Rosa de Lori Lamby". Na contracapa, trazia a foto de uma garotinha vestida de marinheiro (ao lado, na foto menor desta página).
O livro era uma espécie de diário, escrito por Lori, uma menina de 8 anos. Nele, a pequena Lori narrava sua vida -em especial, suas fantasias e desejos sexuais.
Considerado por muitos uma ode à pedofilia e por outros exatamente o oposto, a polêmica obra ganha agora sua versão teatral. Estrelada por Iara Jamra e dirigida por Bete Coelho, a peça estréia na próxima terça no Festival de Curitiba e, depois, em São Paulo, com local e data ainda indefinidos.
Lori, personagem de Iara, anota em um caderninho rosa seus encontros com homens mais velhos, sempre, de acordo com ela, com o consentimento da família.
São fantasias de uma escritora-mirim, que vê na situação uma oportunidade para ajudar o pai, um autor de livros sem leitores pressionado por um editor à procura de literatura mais "vendável".
"Ao mesmo tempo que é uma fantasia, é muito cruel. Essa criança é o alter ego de Hilda e o livro, uma maravilhosa brincadeira com a linguagem", diz Bete Coelho.
Atriz experiente, protagonista de "Cacilda!", de José Celso Martinez Corrêa, ela conta que se apaixonou pelo livro ao recebê-lo de presente. "Queria fazer como atriz, mas, quando soube que a Iara Jamra também sonhava com isso, achei maravilhoso, ideal -e torci para ela me chamar para dirigir."
Por sua vez, para poder levar o texto ao palco, Iara procurou Hilda em seu refúgio, um sítio nos arredores de Campinas. No início, a escritora ficou relutante com a idéia. "Há tantas peças minhas, por que não montá-las?, pensei comigo. Exigi que fizessem meu livro como ele era", disse a autora à Folha.
"Ir até a casa dela foi uma experiência incrível, adorei. A Hilda tinha razão em ser exigente, pois possui uma construção de linguagem que é só dela e tem de ser respeitada", conta Iara.
A adaptação da obra para o teatro ficou a cargo do escritor e roteirista Reinaldo Moraes.
Após a descoberta do desejo comum, Bete e Iara decidiram, então, trabalhar juntas, em uma montagem, segundo a diretora, "o mais simples possível": "Não quis inventar muito, preferi deixar a coisa verdadeira, sem grandes metáforas, com símbolos bem diretos".
Para ajudá-las no espetáculo, foi chamada Daniela Thomas, responsável pelo figurino e o cenário da peça. No palco, há apenas uma enorme cama, em que Lori, vestida com um camisola-túnica, sobe, circula e se esconde embaixo.
"O Caderno Rosa" fez, no final do ano passado, uma curta apresentação no evento Mundão, promovido pelo Sesc em São Paulo. Na época, tinha duração de 20 minutos. Agora, tem o dobro.
O evento do Sesc serviu como teste para verificar a reação de uma platéia diante de um texto polêmico e, no mínimo, verbalmente pornográfico. "A peça causa um choque gostoso e um grande desconforto. É um riso nervoso, pois não há quem não se identifique, pelo menos em algum momento. Fala de coisas que você só ouve num lugar escuro, sozinho", afirma Bete.
E para aqueles que acham "O Caderno Rosa" um exemplo de pedofilia? "É exatamente o contrário, pode-se dizer que é antipedófilo. E nossa montagem passa bem longe disso", completa a diretora.

Quando: terça, às 21h30, e quarta, às 20h, no teatro Paiol (pça. Garibaldi, 7, Prado Velho, Curitiba, tel. 041/322-1525). R$ 20.


A jornalista Erika Sallum viaja a convite do 8º Festival de Teatro de Curitiba


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