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A CRÍTICA
Filme carece de ritmo
especial para a Folha
"Taca-taca marajá! Taca-taca
marajá!", cantava e resolvia que
seria letra de sua composição o jovem e irreverente Villa-Lobos,
ainda na década de 1920. À sombra do personagem, o frondoso
Marcos Palmeira se anima em
gestos ondulantes, tentando
transmitir um momento de pura
criação, conforme pedem o roteiro e a direção de "Villa-Lobos,
uma Vida de Paixão".
Porém ritmo é algo que qualquer manifestação artística digna
do nome deve cultivar -como
prova, aliás, o refrão de Villa-Lobos acima reproduzido. E o bom
cinema não pode ser exceção: deve ter cadência, ritmo, explicitamente ou nas sombras internas
dos fotogramas.
"Villa Lobos, uma Vida de Paixão" se derrama a todo momento
em memória desordenada, indo e
vindo em disritmia de flash-backs. Mesmo o mais descabelado "musical de amor" não funciona caso não respire alguma estrutura.
O problema já era anunciado
nos percalços da produção e nas
muitas tentativas de roteiro de
"Villa-Lobos", soneto onde a mão
do "profissional" talvez tenha introduzido emenda pior (Syd
Field, creditado como colaborador). E, ainda que o montador se
chame, no caso, Eduardo Escorel,
não há talento que dê clímax a
uma pilha de sequências e takes
amontoados aparentemente quase ao acaso.
Dificilmente a memória do espectador reterá traço do conjunto. E até mesmo a música sempre
arrebatadora de Villa-Lobos relutará em permanecer na memória
(especialmente de quem pouco a
conhece), já que esta também
funciona pelos ritmos, e as 107 entradas na trilha sonora, com cerca
de 40 temas do genial compositor,
lembram um picadinho culinário
de gosto indecifrável e olvidável.
Será possível contar Villa-Lobos
da forma respeitosa como propõe
o filme (sua única invenção é cena
de singela iniciação sexual)? Se as
biografias são frias e reticentes,
compondo mais um "Frankenstein" do que gente de carne e osso
e alma, talvez resultasse algo menos lenitivo um investimento na
aura carnavalizadora de Glauber
Rocha, com o qual o Zelito Viana
colaborou nos anos 60.
Em lugar disso, a munição mais
revolucionária se refere à pós-modernidade de imagens que utilizam a técnica da fusão digital
(mixando atores, florestas, rios,
céus de cruzeiro etc.). O resultado
é belo, sem dúvida, mas limitado,
e não faz verão.
A escalação de elenco explora o
terreno do óbvio. Quando não é
Paulo Betti, é Antônio Fagundes a
acender a vela do cinema nacional. Desta vez é Fagundes, um Villa bonachão, quase decoroso,
quase morto. O ator testemunha,
e com ele as platéias, a estréia em
longa de Letícia Spiller (Mindinha, a segunda mulher), que numa única, simples frase -"O que
é isso, meu benzinho?"- nos revela toda a extensão dos seus dotes como atriz.
Se algum sangue pulsa sob a pele desses esquemas é por mérito
do elenco coadjuvante (incluindo
José Wilker) e, em especial, daquela que o diretor diz ser "a principal atriz" do filme, mas cujo rosto não figura no cartaz, nem seu
nome em letra grande na marquise: Ana Beatriz Nogueira, melhor
intérprete feminina do Festival de
Berlim por "Vera".
Atriz ao mesmo tempo de recorte stanislavskiano e fortemente intuitiva, ela se esforça por
compreender a verdade de seu
personagem. É ela a grande força
deste filme, que ao menos na área
pedagógica pode despertar alguma atenção de classes de educação musical (antigamente canto
orfeônico) para o gênio imortal
de Heitor Villa-Lobos.
(AM)
Avaliação:
Filme: Villa-Lobos, uma Vida de Paixão
Diretor: Zelito Viana
Produção: Brasil, 2000
Com: Marcos Palmeira, Antônio Fagundes, Ana Beatriz Nogueira
Quando: a partir de hoje nos cines
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