São Paulo, quinta-feira, 20 de abril de 2000


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A CRÍTICA

Filme carece de ritmo

especial para a Folha

"Taca-taca marajá! Taca-taca marajá!", cantava e resolvia que seria letra de sua composição o jovem e irreverente Villa-Lobos, ainda na década de 1920. À sombra do personagem, o frondoso Marcos Palmeira se anima em gestos ondulantes, tentando transmitir um momento de pura criação, conforme pedem o roteiro e a direção de "Villa-Lobos, uma Vida de Paixão".
Porém ritmo é algo que qualquer manifestação artística digna do nome deve cultivar -como prova, aliás, o refrão de Villa-Lobos acima reproduzido. E o bom cinema não pode ser exceção: deve ter cadência, ritmo, explicitamente ou nas sombras internas dos fotogramas.
"Villa Lobos, uma Vida de Paixão" se derrama a todo momento em memória desordenada, indo e vindo em disritmia de flash-backs. Mesmo o mais descabelado "musical de amor" não funciona caso não respire alguma estrutura.
O problema já era anunciado nos percalços da produção e nas muitas tentativas de roteiro de "Villa-Lobos", soneto onde a mão do "profissional" talvez tenha introduzido emenda pior (Syd Field, creditado como colaborador). E, ainda que o montador se chame, no caso, Eduardo Escorel, não há talento que dê clímax a uma pilha de sequências e takes amontoados aparentemente quase ao acaso.
Dificilmente a memória do espectador reterá traço do conjunto. E até mesmo a música sempre arrebatadora de Villa-Lobos relutará em permanecer na memória (especialmente de quem pouco a conhece), já que esta também funciona pelos ritmos, e as 107 entradas na trilha sonora, com cerca de 40 temas do genial compositor, lembram um picadinho culinário de gosto indecifrável e olvidável.
Será possível contar Villa-Lobos da forma respeitosa como propõe o filme (sua única invenção é cena de singela iniciação sexual)? Se as biografias são frias e reticentes, compondo mais um "Frankenstein" do que gente de carne e osso e alma, talvez resultasse algo menos lenitivo um investimento na aura carnavalizadora de Glauber Rocha, com o qual o Zelito Viana colaborou nos anos 60.
Em lugar disso, a munição mais revolucionária se refere à pós-modernidade de imagens que utilizam a técnica da fusão digital (mixando atores, florestas, rios, céus de cruzeiro etc.). O resultado é belo, sem dúvida, mas limitado, e não faz verão.
A escalação de elenco explora o terreno do óbvio. Quando não é Paulo Betti, é Antônio Fagundes a acender a vela do cinema nacional. Desta vez é Fagundes, um Villa bonachão, quase decoroso, quase morto. O ator testemunha, e com ele as platéias, a estréia em longa de Letícia Spiller (Mindinha, a segunda mulher), que numa única, simples frase -"O que é isso, meu benzinho?"- nos revela toda a extensão dos seus dotes como atriz.
Se algum sangue pulsa sob a pele desses esquemas é por mérito do elenco coadjuvante (incluindo José Wilker) e, em especial, daquela que o diretor diz ser "a principal atriz" do filme, mas cujo rosto não figura no cartaz, nem seu nome em letra grande na marquise: Ana Beatriz Nogueira, melhor intérprete feminina do Festival de Berlim por "Vera".
Atriz ao mesmo tempo de recorte stanislavskiano e fortemente intuitiva, ela se esforça por compreender a verdade de seu personagem. É ela a grande força deste filme, que ao menos na área pedagógica pode despertar alguma atenção de classes de educação musical (antigamente canto orfeônico) para o gênio imortal de Heitor Villa-Lobos. (AM)


Avaliação:   


Filme: Villa-Lobos, uma Vida de Paixão
Diretor: Zelito Viana
Produção: Brasil, 2000
Com: Marcos Palmeira, Antônio Fagundes, Ana Beatriz Nogueira
Quando: a partir de hoje nos cines


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