|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS/LANÇAMENTOS
Dourado "desnovela" lembranças
MARILENE FELINTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
Uma primeira leva de sete
obras do mineiro Autran
Dourado, autor de 22 livros, está
sendo reeditada pela Rocco. São
romances selecionados e revistos
pelo escritor de "O Risco do Bordado" (1970). Além desse último,
a lista de reedições ainda inclui "A
Serviço Del-Rei", "Ópera dos
Mortos", "Um Artista Aprendiz",
"Novelário de Donga Novais", "A
Barca dos Homens" e "Os Sinos
da Agonia".
Está previsto também o lançamento do inédito "Gaiola Aberta"
(leia texto abaixo), memórias políticas e pessoais da época em que
o escritor trabalhou como secretário de imprensa da Presidência
da República no governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961).
Nascido em Patos de Minas
(MG), em 1926, Dourado começou a publicar em 1947 (com
"Teia"). É um prosador profuso e
ortodoxo, da mesma cepa literária de outros nomes conterrâneos
e contemporâneos seus: Ciro dos
Anjos, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Murilo Rubião,
Paulo Mendes Campos.
Todos eles, segundo o professor
Alfredo Bosi, narradores que têm
um traço em comum: as andanças da memória, as paradas frequentes para a análise subjetiva
dos acontecimentos e o talhe vernáculo da frase, que conserva o
gosto da correção gramatical.
"São todos prosadores que trabalham a sintaxe e o léxico respeitando a tradição, embora, às vezes, afetem a sua página com algum modismo coloquial (...). Ficou assim em todos um misto de
sintaxe elegante e limpa -o "escrever bem" (...)- e algumas ousadias no trato dos significados: aí
o desrecalque modernista deixa
perpassarem por essa prosa antiga sopros eróticos, imagens perversas, súbitas negações."
O "escrever bem", no caso de
Dourado, é também resultado de
sua constante preocupação com a
forma e a elaboração de uma linguagem artística. Em 1973, ele publicou "Uma Poética de Romance: Matéria de Carpintaria", ensaio sobre seu processo de criação
literária, a partir do material usado para escrever dois de seus romances ("Tempo de Amar" e "Sinos da Agonia").
Sua obra de ficcionista não esconde a preocupação. Dos escritores de sua geração, em Minas,
talvez tenha sido ele quem mais
mergulhou na chamada pesquisa
estética, com objetivo de superar
o que Bosi classifica como a crise
da ficção introspectiva e a busca
pela superação de um "realismo"
menor e convencional.
Memória
Entre as obras dessa primeira leva de reedições, já estão lançados
"Um Artista Aprendiz" (1989) e
"Novelário de Donga Novais"
(1976). Em ambos, o material privilegiado é a memória. Em "Um
Artista Aprendiz", o narrador comenta: "(...) Eu também estava
quase caindo no sono, mentiu
João, quando apenas divagava,
perdido e afogado naquele poço
sem fim, brumoso e negro da memória, vogando como sempre".
Em "Novelário de Donga Novais", o personagem Donga é assim descrito: "De tanto que não
dormia, seu Donga permanente
nas suas insônias janeleiras: olho,
ouvido, pensamento e língua da
cidade, nossa perene memória".
O "Novelário" é um misto de
novela e diário, preenchido com
as experiências cotidianas do fofoqueiro Donga, um velho insone
que passa o tempo na janela, a
controlar a vida dos habitantes da
pequena Duas Pontes (também
cenário de outros romances de
Dourado) e que representa uma
espécie de memória coletiva do
lugar. Diz o narrador:
"E ele foi (ia) tecendo dia a dia,
noite e dia, desnovelando e novelando, o incessante novelário se
fazendo, a memória e as fantasias
insones, toda a história, dominó
fantástico. De tão simples e corriqueiro tudo, humano. Não se podem chamar precisamente de sonho os vultos e imagens em movimento vistos com estes olhos que
a terra há de comer, os fatos reais,
corriqueiros, não-casos, contaminados pela imaginação e pela memória, pela insônia".
Mais ambicioso, "Um Artista
Aprendiz" envereda por uma narrativa que pretende ser a dos chamados romances de formação. É
a história de João Nogueira, jovem que sai do interior de Minas
para Belo Horizonte com o objetivo de se tornar escritor.
Uma narrativa em duas vozes (a
do narrador onisciente em terceira pessoa e a do protagonista em
primeira), que se utiliza também
do recurso gráfico do itálico para
isolar uma da outra, e que mistura
monólogos interiores com discurso indireto livre, vai dando
conta da viagem interior e exterior do João adolescente.
A viagem de trem, composta
por reminiscências do passado e
experiências reveladoras do presente, é apenas o primeiro passo
de sua iniciação na vida. Os estudos de filosofia, língua e literatura,
bem como as novas relações pessoais que estabelece na cidade
grande serão os passos seguintes.
Pontuado de referências literárias -a Carlos Drummond de
Andrade, Machado de Assis, Calderón de la Barca etc.- o romance ganha um tom didático difícil
de engolir em literatura.
É verdade que escritores contemporâneos brasileiros como
Autran Dourado superaram uma
crise, mas parecem ter entrado
em outra, a de uma prosa literária
discursiva, ensaística e auto-referente, que não se cansa de falar de
si mesma. Para essa, tudo indica
que não encontraram solução.
Livro: Um Artista Aprendiz
Autor: Autran Dourado
Editora: Rocco
Quanto: R$ 27 (272 págs.)
Livro: Novelário de Donga Novais
Autor: Autran Dourado
Editora: Rocco
Quanto: R$ 15 (146 págs.)
Texto Anterior: Artistas apóiam Ivo Mesquita em manifestação Próximo Texto: Novo livro revisita convivência com Juscelino Índice
|