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ROMANCE
Renúncia nutre amor em Orsenna
CECÍLIA SAYAD
ESPECIAL PARA A FOLHA
N a era do individualismo e
do ceticismo com relação a
amores eternos, o francês Erik
Orsenna escreve um livro sobre
um romance que sobrevive a décadas de dificuldades. "Longamente" narra o amor vivido por
Gabriel, um paisagista divorciado, e Elisabeth, uma importante
funcionária do governo francês,
casada.
Para se perpetuar, o amor entre
Gabriel e Elisabeth se utiliza mais
de renúncias do que de ganhos,
pelo menos para o homem, que
começa abandonando uma grande convicção: viver uma vida normal -"uma vida contrária à de
seus ancestrais, cujos amores tinham sido tumultuados".
Gabriel deixa a mulher com
quem fora casado por anos em
nome de uma paixão à primeira
vista, antes mesmo de conhecer a
identidade da pessoa que lhe desperta tal sentimento. Localizada,
Elisabeth -decidida a nunca
abandonar o marido e os filhos-
passa décadas adaptando sua vida
às possibilidades de encontros
fortuitos com a amada.
Apesar de ser Gabriel quem
abandona tudo para se dedicar a
uma paixão, a renúncia é experimentada também por Elisabeth,
que, ao optar por uma vida dupla
(e portanto de segredos), priva-se
do desfrute completo tanto do
novo amor quanto do casamento
tradicional.
Mais do que de renúncias, porém, é de obstinação que o longo
romance se alimenta: o desejo de
prosseguir com uma relação que,
ainda que na prática seja dolorosa, é romanesca, bela, inatingível.
É essa idealização que permite
ao romance sobreviver à vida real.
Como os sentimentos que possuem um pelo outro, é a paixão
pelo amor que vivem que o faz
duradouro. A tentativa de perpetuação mais concreta da relação é
banal: Gabriel e Elisabeth têm um
filho. A certa altura, descobrimos
que é a um neto escritor que Gabriel conta sua história, desejando
vê-la eternizada na literatura.
A história é contada do ponto
de vista do apaixonado Gabriel,
ainda que, por vezes, o narrador
se refira a si mesmo na terceira
pessoa do singular. A sede de perpetuar cada instante domina a
narrativa, que no início adota um
tom distanciado, não condizendo
com o teor dos sentimentos que o
narrador descreve. O que é até
coerente, considerando que a história é contada por um homem
que declara ter idealizado uma vida sem exaltações.
O narrador centra-se, até a metade do livro, mais nos acontecimentos ao redor dos amantes do
que nos próprios. Mas é quando
decide enfocar os ciúmes, dúvidas
e medos dos personagens que
enriquece seu relato, tão irregular
quanto um amor secreto que, ainda que não se deixe destruir pelas
dúvidas, é cercado por elas. Por
que Elisabeth não pode abandonar o marido? Deixaria de ser boa
mãe se pedisse o divórcio?
O livro não responde a essas
questões de maneira satisfatória.
Os capítulos que trazem trechos
do diário de Elisabeth mostram
uma mulher tão desejosa de
abandonar tudo que sua obstinação em manter o casamento torna-se incompreensível, tornando
as artimanhas utilizadas para justificar sua posição artificiais. Afinal, o amor ideal narrado se mostra mais consistente do que a realidade que se vê ameaçada por ele.
Livro: Longamente
Autor: Erik Orsenna
Tradutora: Maria Lúcia Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34,50 (458 págs.)
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