São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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ROMANCE

Renúncia nutre amor em Orsenna

CECÍLIA SAYAD
ESPECIAL PARA A FOLHA

N a era do individualismo e do ceticismo com relação a amores eternos, o francês Erik Orsenna escreve um livro sobre um romance que sobrevive a décadas de dificuldades. "Longamente" narra o amor vivido por Gabriel, um paisagista divorciado, e Elisabeth, uma importante funcionária do governo francês, casada.
Para se perpetuar, o amor entre Gabriel e Elisabeth se utiliza mais de renúncias do que de ganhos, pelo menos para o homem, que começa abandonando uma grande convicção: viver uma vida normal -"uma vida contrária à de seus ancestrais, cujos amores tinham sido tumultuados".
Gabriel deixa a mulher com quem fora casado por anos em nome de uma paixão à primeira vista, antes mesmo de conhecer a identidade da pessoa que lhe desperta tal sentimento. Localizada, Elisabeth -decidida a nunca abandonar o marido e os filhos- passa décadas adaptando sua vida às possibilidades de encontros fortuitos com a amada.
Apesar de ser Gabriel quem abandona tudo para se dedicar a uma paixão, a renúncia é experimentada também por Elisabeth, que, ao optar por uma vida dupla (e portanto de segredos), priva-se do desfrute completo tanto do novo amor quanto do casamento tradicional.
Mais do que de renúncias, porém, é de obstinação que o longo romance se alimenta: o desejo de prosseguir com uma relação que, ainda que na prática seja dolorosa, é romanesca, bela, inatingível.
É essa idealização que permite ao romance sobreviver à vida real. Como os sentimentos que possuem um pelo outro, é a paixão pelo amor que vivem que o faz duradouro. A tentativa de perpetuação mais concreta da relação é banal: Gabriel e Elisabeth têm um filho. A certa altura, descobrimos que é a um neto escritor que Gabriel conta sua história, desejando vê-la eternizada na literatura.
A história é contada do ponto de vista do apaixonado Gabriel, ainda que, por vezes, o narrador se refira a si mesmo na terceira pessoa do singular. A sede de perpetuar cada instante domina a narrativa, que no início adota um tom distanciado, não condizendo com o teor dos sentimentos que o narrador descreve. O que é até coerente, considerando que a história é contada por um homem que declara ter idealizado uma vida sem exaltações.
O narrador centra-se, até a metade do livro, mais nos acontecimentos ao redor dos amantes do que nos próprios. Mas é quando decide enfocar os ciúmes, dúvidas e medos dos personagens que enriquece seu relato, tão irregular quanto um amor secreto que, ainda que não se deixe destruir pelas dúvidas, é cercado por elas. Por que Elisabeth não pode abandonar o marido? Deixaria de ser boa mãe se pedisse o divórcio?
O livro não responde a essas questões de maneira satisfatória. Os capítulos que trazem trechos do diário de Elisabeth mostram uma mulher tão desejosa de abandonar tudo que sua obstinação em manter o casamento torna-se incompreensível, tornando as artimanhas utilizadas para justificar sua posição artificiais. Afinal, o amor ideal narrado se mostra mais consistente do que a realidade que se vê ameaçada por ele.


Livro: Longamente
  
Autor: Erik Orsenna
Tradutora: Maria Lúcia Machado
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 34,50 (458 págs.)


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