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MÚSICA ERUDITA
Freixo cintila Bach em Mariana
ARTHUR NESTROVSKI
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
O uvir Bach é sempre uma
alegria. Ouvir Bach, tão bem
tocado por Elisa Freixo, no órgão
barroco da Sé de Mariana (MG), é
uma alegria de outra ordem e
uma educação que passa além da
música.
Em seu concerto de domingo
passado, a organista paulista (radicada em Mariana desde 1988)
interpretou peças de três gerações
da família Bach. Começando com
o "Concerto em Fá Maior", de Johann Sebastian (1685-1750), na
verdade a transcrição para órgão
de um concerto italiano para cordas.
Elisa Freixo tem uma naturalidade rara e uma segurança proporcional. Toca fácil, sem medo
da música, deixando as cintilações e veludos da polifonia descerem da tribuna como um maravilhamento. Mas sem mistério: sua
arte é compreensivelmente humana, generosa e clara em pleno
espaço do incompreensível.
"Cintilações" e "veludos" são só
aproximações para as indefiníveis
virtudes desse órgão. Construído
pelo organeiro alemão Art Schnitger (1648-1719), foi enviado pelo
rei d. João 5º a Mariana em 1751.
Schnitger foi um dos mais renomados construtores de órgão de
todos os tempos, comparável a
um Stradivarius ou Guarnieri; e o
instrumento que está em Mariana
é hoje um dos mais importantes
órgãos barrocos fora da Europa.
Tem dois teclados e 194 tubos. O
som é invariavelmente lindo, em
qualquer combinação dos 18 registros; chamam a atenção, em especial, os timbres brilhantes de
trombeta e os tenores amistosos e
tranquilos.
De Johann Christoph Bach
(1642-1703), um tio de Johann Sebastian, Elisa Freixo tocou uma
"Ária e Variações". Simpática e
bem ordenada até a variação final,
envereda depois por harmonias
aberratórias, cheias de cromatismos e italianismos. O bloco do
meio do concerto teve ainda três
peças curtas de Carl Philip Emanuel Bach (1714-1788), para "relógio" (isto é: realejo). Carl Philip é
sempre engenhoso e charmoso. E
engenho e charme, juntos, definem os propósitos da geração rococó, contra os encantos mais severos da inteligência barroca.
Foi de C.P.E. Bach, também, a
peça final, uma "Sonata em Lá
Menor". Ainda distante dos humores pré-românticos que marcariam suas peças mais conhecidas, a "Sonata" mesmo assim deu
chance ao Schnitger para falar em
tons variados, do mais íntimo e
confidente ao luminoso e sem
ambivalência. A Sé de Mariana
tem o tamanho perfeito para esse
órgão perfeito e não tem afãs de
ajudar a música com eco. (O órgão pode ser ouvido num bom
CD de Freixo para o selo Paulus:
"Órgãos Históricos do Brasil Vol.
2"; mas nada se compara ao som
vivo no espaço vivo da Sé.)
Seria só mais um concerto bonito, num domingo bonito, numa
cidade bonita de Minas. Mas representa muito mais: que alguém
tenha essa competência e dedicação, para fazer música nesse nível,
deveria ser motivo de orgulho nacional. Hoje está mais para o desalento. Dá tristeza pensar que o
projeto da Fundação Cultural da
Arquidiocese de Mariana, responsável pela reativação desse órgão, corre sério risco de ser interrompido. Com 13 anos de atividade e cerca de mil concertos realizados, não é beneficiário de nenhuma espécie de patrocínio.
Não existe instrumento comparável a esse órgão no Brasil. Constitui patrimônio prioritário para
quem se preocupa com música no
país. Nas mãos de Elisa Freixo, é
um patrimônio vivo, renascido
toda semana em forma de música. Por algum tempo ainda, não
há melhor programa de domingo
ao meio-dia do que escutar o concerto da Sé. Oxalá esse tempo se
estenda, para preservar com dignidade a arte tão digna de Elisa
Freixo no órgão de Mariana.
Concerto: Elisa Freixo interpreta
Bach e peças para órgão barroco
Quando: às sextas, às 11h, e aos domingos, às 12h15
Onde: Sé de Mariana (tel. 0/xx/31/557-1799)
Quanto: R$ 6
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