São Paulo, sábado, 20 de maio de 2000


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CINEMA
Diretor fez 60 anos ontem e severas críticas ao projeto de Weffort
"O planeta vai rir", diz Cacá Diegues

DO ENVIADO A CANNES

O cineasta Carlos Diegues completou ontem 60 anos de vida e, no segundo semestre, celebra 40 anos de cinema. Deve comemorar filmando seu novo projeto, "Deus É Brasileiro", adaptado de um conto de João Ubaldo Ribeiro.
De presente, Diegues ganha um site próprio na Internet (www.carlosdiegues.com.br ou www.cacadiegues.com.br). Muito mais que um almanaque virtual sobre seu cinema, a idéia é funcionar como um instrumento de intervenção nos grandes debates culturais brasileiros.
Alagoano de nascimento, mas carioca de adoção, Diegues foi cinemanovista ("Ganga Zumba"), um dos mais bem-sucedidos diretores do fértil período Embrafilme ("Bye Bye Brasil") e um dos poucos a driblar a crise pós-Collor ("Veja Esta Canção").
Para discutir o cinema hoje, e o brasileiro em particular, a Folha entrevistou Diegues por e-mail. Leia abaixo uma síntese de suas respostas, nas quais se opõe com veemência ao projeto do Ministério da Cultura de abrir a chamada Lei do Audiovisual para as TVs. (AL)

Folha - Como você vê a Lei do Audiovisual para as TVs?
Carlos Diegues -
Como um absurdo que precisa ser evitado. Será a morte súbita da produção independente no Brasil, do cinema de autor que construímos neste país durante quatro décadas. O argumento de que a televisão é empresarialmente mais competente do que o cinema é falso. Os Barreto, os Massaini, os Pereira dos Santos, os Khouri, os Farias, só para citar alguns mais antigos, estão por aí há 40 anos, fazendo filmes sem parar, apesar de todas as dificuldades que enfrentam. E onde estão as TVs Tupi, Excelsior, Rio, Gazeta, Continental, Manchete e tantas outras mais? Se essa medida passar, será a primeira vez, na história mundial do audiovisual, que o cinema financia a televisão, e não vice-versa, como é normal. O planeta vai rir de nós.

Folha - Sua obra completa apenas 40 anos e parece já sofrer problemas de conservação. Quais os casos mais graves e como restaurá-los?
Diegues -
Eu visitei recentemente a Cinemateca Brasileira de São Paulo e fiquei emocionado com o que vi, o sonho de Paulo Emilio Salles Gomes se tornando realidade. O diabo é que a Cinemateca não tem recursos para recuperar os filmes que estão se deteriorando. No meu caso, estou com problemas nos negativos de "Bye Bye Brasil", "Xica da Silva", "Quando o Carnaval Chegar" e outros. E olhe que eu sou um dos diretores brasileiros que cuida melhor de suas matrizes. Estou em busca de empresas que queiram me ajudar, por meio das leis de incentivo fiscal, a recuperar meus negativos.

Folha - O futuro do cinema passa mesmo pela Internet?
Diegues -
Sem dúvida. É claro que as salas de exibição não vão acabar nunca, o prazer de ver filmes fora de casa e ao lado de outras pessoas sempre vai existir. Mas a Internet vai ser o feijão-com-arroz da difusão cinematográfica. Isso talvez ainda demore uns cinco, seis anos para acontecer, mas vai acontecer. Já existem, no mundo, cerca de 5.000 empresas adquirindo acervo e produzindo novos filmes para exploração na Internet. Quando a banda larga se instalar, esse processo vai ter uma partida muito rápida.

Folha - Você acredita na revolução digital das salas, no fim da distribuição e exibição em celulóide?
Diegues -
Isso é inevitável, sobretudo porque é mais prático. Essa digitalização geral é ainda impraticável por ser muito caro o processo de adaptação das salas. Nos Estados Unidos, isto já está sendo discutido entre as associações dos agentes econômicos do mercado. Os exibidores querem que os produtores e os distribuidores, teoricamente os mais beneficiados pela mudança, arquem com essas despesas de adaptação.

Folha - Qual o objetivo do site?
Diegues -
O meu site é apenas um modesto espaço na rede para informações sobre meus filmes. Teremos atualidades, um link para o cinema brasileiro. Na primeira versão desta página, há um noticiário sobre o próximo Terceiro Congresso do Cinema Brasileiro.

Folha - Qual debate este congresso deveria priorizar?
Diegues -
O da distribuição em geral e o da produção alternativa. Os cineastas brasileiros estão descobrindo que o nó da economia cinematográfica é a distribuição. A produção não gera necessariamente distribuição, mas a distribuição gera produção sempre. Por outro lado, é preciso que o Estado assuma de uma vez sua responsabilidade pelo que chamo de produção alternativa. É normal que diretores de marketing e outros executivos financeiros participem da seleção de títulos que vão ser produzidos para o mercado, eles não são de inteligência inferior à dos executivos de Hollywood. Mas, em contrapartida, o Estado tem de garantir financiamento direto para a produção de filmes experimentais, de estreantes e filmes que não tenham passagem fácil no mercado. É um escândalo que um cineasta como Nelson Pereira dos Santos não filme há sete anos.

Folha - Como anda a adaptação do conto de João Ubaldo?
Diegues -
Estou terminando de escrever, com o João Emmanuel Carneiro. "Deus É Brasileiro" é uma comédia contemporânea baseada no conto de João Ubaldo Ribeiro, "O Santo que Não Acreditava em Deus". Pretendo começar a filmá-lo ainda este ano.


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