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CANNES 98
Hartley e Boorman não convencem com "outsiders'
enviado especial a Cannes
A mostra
competitiva de
Cannes 98 prosseguiu ontem
com dois filmes
desenvolvidos
em torno de
"outsiders". Como exercícios de
estilo, porém, "Henry Fool", de
Hal Hartley, e "The General", de
John Boorman, não poderiam ser
mais distintos.
"Henry Fool" segue a receita
antinaturalista e verbocêntrica do
cinema de Hartley ("Confiança"). A novidade é a dimensão extraordinária assumida pelas ações
de seus personagens prosaicos.
Vindo não se sabe de onde, o
egocêntrico Henry Fool desestrutura a vida de uma família suburbana. Transa com a mãe, engravida a promíscua irmã, enche a cabeça do irmão, o reprimido lixeiro
Simon. Auto-intitulado escritor,
Fool estimula Simon a segui-lo.
O discípulo supera o mestre. A
poesia pornográfica de Simon vira
escândalo, conquista a mídia, mobiliza o papa e acaba vencendo o
Prêmio Nobel. Fool, no entretempo, vê suas "Memórias", decalcadas em Sade e Rousseau, mofarem
nas gavetas. Uma confusão policial acaba por ser o derradeiro teste da amizade: Fool revela-se um
ex-presidiário, condenado por ter
transado com uma adolescente.
Nada convence muito. No papel
central, o estreante Thomas Jay
Ryan é um pálido sucessor de
Martin Donovan ("Confiança").
O enredo não decola, indeciso entre a comédia minimalista e a sátira social. A trama se arrasta, apesar de Cannes assistir a uma versão remontada e reduzida do filme
lançado em Toronto em 97.
Hartley ao menos ousa. Há tempos John Boorman desistiu dessas
coisas. "The General" celebra um
"bom" ladrão irlandês, Martin
Cahill (Brendan Gleeson), assassinado na porta de casa em 1994.
Católico de origem humilde, em
Dublin, Cahill é defensor da família e dos comparsas. Este Corleone
irlandês conquista inimigos, formando um arco de desafetos que
vai da polícia ao IRA.
Para humanizá-lo, Boorman frisa o "ménage à trois" que Cahill
mantém pacificamente com a esposa e a irmã dela. Esboça ainda
uma cordial rivalidade com um
policial contemporâneo, que permite ao cineasta voltar a trabalhar
com o Jon Voight de seu melhor
filme, "Amargo Pesadelo" (72).
Como tudo, porém, nem essa
antiga colaboração desenvolve-se
a contento. Nada ganha maior
densidade dramática. Boorman
resigna-se a contar a história como um longo "flashback" a partir do assassinato de Cahill. Nem
sombra de Palma de Ouro.
(AMIR LABAKI)
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