São Paulo, quarta, 20 de maio de 1998

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CANNES 98
Hartley e Boorman não convencem com "outsiders'

enviado especial a Cannes


A mostra competitiva de Cannes 98 prosseguiu ontem com dois filmes desenvolvidos em torno de "outsiders". Como exercícios de estilo, porém, "Henry Fool", de Hal Hartley, e "The General", de John Boorman, não poderiam ser mais distintos.
"Henry Fool" segue a receita antinaturalista e verbocêntrica do cinema de Hartley ("Confiança"). A novidade é a dimensão extraordinária assumida pelas ações de seus personagens prosaicos.
Vindo não se sabe de onde, o egocêntrico Henry Fool desestrutura a vida de uma família suburbana. Transa com a mãe, engravida a promíscua irmã, enche a cabeça do irmão, o reprimido lixeiro Simon. Auto-intitulado escritor, Fool estimula Simon a segui-lo.
O discípulo supera o mestre. A poesia pornográfica de Simon vira escândalo, conquista a mídia, mobiliza o papa e acaba vencendo o Prêmio Nobel. Fool, no entretempo, vê suas "Memórias", decalcadas em Sade e Rousseau, mofarem nas gavetas. Uma confusão policial acaba por ser o derradeiro teste da amizade: Fool revela-se um ex-presidiário, condenado por ter transado com uma adolescente.
Nada convence muito. No papel central, o estreante Thomas Jay Ryan é um pálido sucessor de Martin Donovan ("Confiança"). O enredo não decola, indeciso entre a comédia minimalista e a sátira social. A trama se arrasta, apesar de Cannes assistir a uma versão remontada e reduzida do filme lançado em Toronto em 97.
Hartley ao menos ousa. Há tempos John Boorman desistiu dessas coisas. "The General" celebra um "bom" ladrão irlandês, Martin Cahill (Brendan Gleeson), assassinado na porta de casa em 1994.
Católico de origem humilde, em Dublin, Cahill é defensor da família e dos comparsas. Este Corleone irlandês conquista inimigos, formando um arco de desafetos que vai da polícia ao IRA.
Para humanizá-lo, Boorman frisa o "ménage à trois" que Cahill mantém pacificamente com a esposa e a irmã dela. Esboça ainda uma cordial rivalidade com um policial contemporâneo, que permite ao cineasta voltar a trabalhar com o Jon Voight de seu melhor filme, "Amargo Pesadelo" (72).
Como tudo, porém, nem essa antiga colaboração desenvolve-se a contento. Nada ganha maior densidade dramática. Boorman resigna-se a contar a história como um longo "flashback" a partir do assassinato de Cahill. Nem sombra de Palma de Ouro.
(AMIR LABAKI)



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