São Paulo, sábado, 20 de junho de 1998

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LIVRO LANÇAMENTOS
"Bogart' é romance policial que privilegia a forma

RODOLFO LUCENA
Editor de Informática


Uma lésbica que penteia cachorros, um dono de sebo que é ladrão, um herdeiro de trono de um país inexistente e uma turma de espiões desempregados. Essa é a fauna que circula por um texto que cruza mistério com humor nonsense para construir uma trama complicada -até chata-, mas que provoca curiosidade e atrai a atenção do leitor.
Trata-se de "O Ladrão Que Achava Que Era Bogart", cometido pelo prolífico Lawrence Block, autor de mais de 40 obras no terreno do romance policial, que lhe valeram prêmios como o Edgar e o Maltese Falcon.
O ladrão do título é Bernard Grimes Rhodenbarr, que também é dono de uma loja de livros usados, onde o gato Raffles exercita sua preguiça e onde chegam clientes que não estão apenas atrás de primeiras edições.
Ele prefere roubar coisas boas que cabem em pequenas embalagens. Jóias, objetos de arte, selos, quadros -já roubou um casaco de pele, mas pede a Deus que não tenha de repetir a dose.
Ele também é o responsável pelo relato de suas aventuras. Essa técnica narrativa, em que o contador da história participa da trama, é bastante usada no romance policial. O doutor Watson conta as aventuras de Sherlock Holmes, Archie Goodwin relata as peripécias e idiossincrasias de Nero Wolfe e assim por diante.
O fato de o texto ser tocado na primeira pessoa, porém, tira um dos elementos do mistério, do suspense. Afinal, você já sabe, de antemão, que o contador da história sobreviveu para contá-la e, presumivelmente, saiu-se bem.
Em compensação, o narrador "Eu" ganha liberdades literárias que não estão disponíveis em histórias relatadas por alguém ou contadas por um oculto, mas onipresente, autor. "Eu" posso dizer, por exemplo, como me sinto, o que estou pensando quando tal fato se desenrola, criando cenas paralelas à trama principal.
Esse é o recurso principal do qual Block lança mão, é a maior força desse livro. A urdidura do crime, o mistério e sua revelação -os elementos básicos do romance policial comum- são menos importantes do que o peculiar jeito de contar a história. O conteúdo cede terreno à forma.
Assim, o texto flui e vai envolvendo o leitor não porque existam cenas dramáticas, empolgantes, violentas, mas porque o ladrão-livreiro cativa com o relato escorreito de seu dia-a-dia.
As primeiras cenas do livro, por exemplo, incluem a conversa de Rhodenbarr com um motorista de táxi. Ao longo de quase duas páginas, você acompanha um diálogo sobre perna bichada e médicos que não tem coisa nenhuma a ver com a história do ladrão que achava que era Bogart.
Depois, o leitor é apresentado propriamente ao narrador. Ele conta os macetes de sua profissão e se encaminha para o roubo da noite, o início de uma série de acontecimentos que poderíamos chamar de espinha dorsal do livro.
Antes de executar o roubo, porém, um rápido flashback conta como Rhodenbarr conheceu o cliente que contratou o roubo, aonde o ladrão vai agora e o que vai tentar carregar. A partir daí, a história segue mais ou menos em ordem cronológica.
Há duas mortes, e pistas que Rhodenbarr, agora também travestido de detetive, têm de aproveitar para livrar a própria cara e continuar em liberdade.
A trama, em si, é meio chata, cheia de personagens que não chegam a ser importantes e podem deixar o leitor perdido. O que vale é o humor, a paródia, fazendo com que o livro cumpra a função básica dos romances policiais: ajudar a fazer o tempo passar.


Livro: O Ladrão Que Achava Que Era Bogart Autor: Lawrence Block Lançamento: Companhia das Letras Quanto: R$ 23 (310 págs.)



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