São Paulo, sexta-feira, 20 de julho de 2001

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"AS LUZES DE UM VERÃO"

Claridade desvela personagens

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Um despertar sereno numa manhã de verão. Um jovem e belo casal de irmãos acorda ao som do Velvet Underground. A languidez graciosa dos dois, a luminosidade do aposento e o tom diáfano da voz de Lou Reed soariam pleonásticos em sua perfeita harmonia não fosse a letra da balada "Pale Blue Eyes", que fala das impossibilidades da vida.
Reunida com as irmãs num jantar em memória da matriarca da família, a jovem da primeira cena lembra os últimos dias de vida dos pais: a mãe trocava o nome do marido pelo de um outro, desconhecido. Para não macular a imagem de "casal ideal" deixada pelos pais, as filhas chegam ao necessário consenso de que era um amor de infância da mãe.
A hipótese de que pudesse ser um amante permanece velada, mas é ela que dá início ao processo de contínuo desvelamento de "As Luzes de um Verão", produção franco-germano-vietnamita dirigida por Tran Anh Hung.
Eis o caso de um filme que torna-se mais e mais límpido. Hung busca, desde o princípio, a transparência, e o faz pelo processo natural: lançando luz sobre seus personagens. Assim, se as relações entre eles, todos membros de uma família, já parecem as mais transparentes, elas se tornarão ainda mais límpidas à medida que o cineasta intensifica sua luz (com o verão), aclarando os não-ditos, os interstícios dessas relações.
Tal como a câmera de Ping Bing Lee, postada nos vãos dos espaços (entre dois cômodos ou duas montanhas), a explorar as frestas de grades e de cortinas e a atravessar a tessitura de véus e a água da chuva, o diretor Hung sempre localiza seus personagens numa espécie de entre-lugares.
Como descobriremos, a irmã mais velha da família vive entre o amante e o marido. Este, por sua vez, entre duas famílias. O outro cunhado, um romancista, divide-se entre a felicidade de ver a mulher grávida do primeiro filho e a angústia de ter de finalizar o primeiro romance. Decidido a terminar a história com um encontro abrupto, ele acaba por se deixar conduzir a uma outra mulher.
Por fim, a caçula da família, dividida entre o irmão, com quem mantém uma relação platonicamente incestuosa, e o namorado, espécie de duplo do irmão, de quem anseia engravidar.
Tal como na canção do Velvet, não há no filme uma visão moralista do pecado e do adultério, mas a mera necessidade de esclarecimento. É como se, iluminando os pontos obscuros das relações, Hung pudesse saná-los sem desacreditar seus personagens.
Daí a caçula ser a personagem-síntese do filme. Ela (Tran Nu Yên-Khê, que Hung dirigiu em "O Cheiro da Papaia Verde") perde a virgindade, mas mantém a ingenuidade intata. É a portadora desse olhar cuja pureza não é maculada pela verdade. Hung, que depurou o maneirismo de seus primeiros filmes (como "O Ciclista") sem perder a apurada sensibilidade para a beleza das coisas (evidente, sobretudo, na direção de arte), também ganha com a verdade.


As Luzes de um Verão
A la Verticale de l'Eté
   
Direção: Tran Anh Hung
Produção: França/Alemanha/Vietnã, 2000
Com: Le Khanh, Chu Hung
Quando: a partir de hoje nos cines Top Cine e Belas Artes




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