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"AS LUZES DE UM VERÃO"
Claridade desvela personagens
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Um despertar sereno numa manhã de verão. Um jovem e belo casal de irmãos acorda
ao som do Velvet Underground.
A languidez graciosa dos dois, a
luminosidade do aposento e o
tom diáfano da voz de Lou Reed
soariam pleonásticos em sua perfeita harmonia não fosse a letra da
balada "Pale Blue Eyes", que fala
das impossibilidades da vida.
Reunida com as irmãs num jantar em memória da matriarca da
família, a jovem da primeira cena
lembra os últimos dias de vida
dos pais: a mãe trocava o nome do
marido pelo de um outro, desconhecido. Para não macular a imagem de "casal ideal" deixada pelos
pais, as filhas chegam ao necessário consenso de que era um amor
de infância da mãe.
A hipótese de que pudesse ser
um amante permanece velada,
mas é ela que dá início ao processo de contínuo desvelamento de
"As Luzes de um Verão", produção franco-germano-vietnamita
dirigida por Tran Anh Hung.
Eis o caso de um filme que torna-se mais e mais límpido. Hung
busca, desde o princípio, a transparência, e o faz pelo processo natural: lançando luz sobre seus personagens. Assim, se as relações
entre eles, todos membros de
uma família, já parecem as mais
transparentes, elas se tornarão
ainda mais límpidas à medida que
o cineasta intensifica sua luz (com
o verão), aclarando os não-ditos,
os interstícios dessas relações.
Tal como a câmera de Ping Bing
Lee, postada nos vãos dos espaços
(entre dois cômodos ou duas
montanhas), a explorar as frestas
de grades e de cortinas e a atravessar a tessitura de véus e a água da
chuva, o diretor Hung sempre localiza seus personagens numa espécie de entre-lugares.
Como descobriremos, a irmã
mais velha da família vive entre o
amante e o marido. Este, por sua
vez, entre duas famílias. O outro
cunhado, um romancista, divide-se entre a felicidade de ver a mulher grávida do primeiro filho e a
angústia de ter de finalizar o primeiro romance. Decidido a terminar a história com um encontro abrupto, ele acaba por se deixar conduzir a uma outra mulher.
Por fim, a caçula da família, dividida entre o irmão, com quem
mantém uma relação platonicamente incestuosa, e o namorado,
espécie de duplo do irmão, de
quem anseia engravidar.
Tal como na canção do Velvet,
não há no filme uma visão moralista do pecado e do adultério,
mas a mera necessidade de esclarecimento. É como se, iluminando os pontos obscuros das relações, Hung pudesse saná-los sem
desacreditar seus personagens.
Daí a caçula ser a personagem-síntese do filme. Ela (Tran Nu
Yên-Khê, que Hung dirigiu em
"O Cheiro da Papaia Verde") perde a virgindade, mas mantém a
ingenuidade intata. É a portadora
desse olhar cuja pureza não é maculada pela verdade. Hung, que
depurou o maneirismo de seus
primeiros filmes (como "O Ciclista") sem perder a apurada sensibilidade para a beleza das coisas
(evidente, sobretudo, na direção
de arte), também ganha com a
verdade.
As Luzes de um Verão
A la Verticale de l'Eté
Direção: Tran Anh Hung
Produção: França/Alemanha/Vietnã,
2000
Com: Le Khanh, Chu Hung
Quando: a partir de hoje nos cines Top
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