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CARLOS HEITOR CONY
A estranha relação da magia com o futebol
Desde que os bretões começaram a chutar o crânio de
seus adversários, inventando o
que mais tarde se chamou ""esporte bretão", um tipo de jogo também conhecido como futebol,
nunca houve técnica mais eficaz
do que a superstição, que é mais
antiga do que a Bretanha inteira.
Digo isso sem defender a genial
tática do Felipão, que afinal conseguiu suada vitória contra o Peru na base do azul -o mesmo
azul que dá sorte a Roberto Carlos e ficou sendo uma metáfora
da felicidade como um todo, na
base do ""tudo azul", incluindo o
azul de nosso planeta Terra, que
apesar de azul não é lá essas coisas em bem-aventurança.
A jogada foi simples. Com derrotas sucessivas nas costas, a seleção que vestia camisa amarela,
como aquela do samba do Ary
Barroso, ""botou fogo nela" e vestiu a camisa azul, que antes fora
camisa reserva ao tempo do antigo uniforme branco da seleção
com o qual ganhamos a Copa do
Mundo na Suécia.
Parece que deu certo. E abrimos
o necessário debate sobre o papel
da superstição não apenas no futebol mas na vida em geral. Como
supersticioso desde os tempos em
que habitei o ventre de minha
mãe (isso não vem ao caso, mas é
uma verdade que assumo e calo),
encontro afinal um traço de simpatia para com o novo treinador
da seleção brasileira.
Por sinal, futebol e superstição
sempre foram afins. Tivemos o
caso do sapo do Arruda, lenda comum do Vasco e do São Cristóvão. E a verdadeira história das
cortinas do Botafogo de Futebol e
Regatas, ao tempo em que o clube
era presidido pelo Carlito Rocha,
que, se fosse baiano, seria o mais
eficiente pai-de-santo de nossos
500 anos de história.
Já dizia João Saldanha que, se
macumba resolvesse alguma coisa no futebol, os campeonatos
baianos terminariam empatados,
com todos os times em primeiro
lugar. Nunca se sabe, mas pode
ser verdade ou não, depende da
eficácia da macumba praticada.
Vamos ao sapo do Arruda, que
foi macumba eficaz. Reza a lenda
que o Vasco encheu o São Cristóvão, dando-lhe um banho de 12 a
0. Rivais no mesmo bairro carioca, o São Cristóvão estava habituado a perder de todos os times
do Rio, inclusive do Vasco. Mas
nunca de tanto. Um torcedor ficou insultado e, à meia-noite de
uma sexta-feira, 13, pulou o muro
do estádio vascaíno e enterrou
um sapo no campo adversário, ao
lado de uma das bandeirinhas do
córner.
Passaram-se anos, cinco, segundo alguns, oito, segundo outros, e
o Vasco nunca mais venceu o São
Cristóvão. Vencia os adversários,
era o Expresso da Vitória, venceu
até mesmo o Arsenal, de Londres,
que aqui veio e goleou a todos
nós. Mas perdia para o São Cristóvão.
A diretoria do Vasco decidiu
acabar com aquilo. Contratou escavadeiras e esburacou o campo
todo. Não houve pedaço de galinha ou de passarinho que não
fosse peneirado, até que se fizesse
uma pirâmide de ossos. Um pai-de-santo importado de Campos
molhou tudo com cachaça também de Campos, deu passes, fumou charutos baianos e tacou fogo nos ossos todos, entre os quais
deviam estar os do sapo do Arruda. Deu certo. O Vasco voltou a
dar goleadas vexatórias no São
Cristóvão, acho que até hoje.
O caso das cortinas foi mais sofisticado. O Botafogo tinha uma
sede social famosa, em estilo colonial, muito usada para bailes, festas de formatura e até mesmo para cerimônias de culto. A comunidade judaica ainda não tinha sinagoga aqui no Rio e alugava a
sede do Botafogo para os grandes
dias de seu calendário religioso.
Antes de cada jogo, Carlito Rocha, presidente e grande benemérito do clube, ia a todas as cortinas da sede e dava um nó nelas.
Era tiro e queda. Até que, num
domingo, o Botafogo foi jogar em
Madureira, contra o time homônimo, e terminou o primeiro tempo perdendo de 2 a 0. Estranhando aquilo, Carlito Rocha teve
uma iluminação: as cortinas! Tomou um táxi, voou para a sede.
Um empregado novo, preparando o salão para um baile à noite,
estranhara as cortinas amarradas e desfizera o nó de cada uma.
Carlito Rocha invadiu o salão,
deu nó em todas elas e voltou para Madureira. O jogo virara: o
Botafogo vencia de 4 a 2.
Acredito que cada torcedor, seja
de que clube for, deva ter histórias
parecidas, individuais ou coletivas. Conheci um sujeito, chamado Bório, que torcia pelo Flamengo e só ia a jogo levando um guarda-chuva. Eu próprio, durante
anos, usava sempre o mesmo sapato para ir ver o meu time jogar.
Perdendo ou ganhando, eu ficava
com a consciência tranquila: fizera a minha parte. Tive um primo
que, antes de cada partida do Flamengo, ia ao banheiro e desfiava
todo o rolo de papel higiênico. Por
coincidência, era um cara bastante parecido com o Felipão,
que, além da camisa azul, deve
ter macetes equivalentes.
De maneira que não estranho a
nova tática adotada. Da mesma
forma que não se deve mexer em
time que está ganhando (não é
bem esse o caso de nosso escrete),
não se deve mexer em superstição
que está dando certo. Depois do
azul quebramos a urucubaca. Podemos voltar ao amarelo.
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