São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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"EMPRESTA-ME TEUS OLHOS"

Montagem do Quasar é um ensaio sobre a visão

INÊS BOGÉA
CRÍTICA DA FOLHA

"E mpresta-me teus olhos", pede o coreógrafo Henrique Rodovalho, perambulando em dança, seja pelas ruas inóspitas de uma grande cidade, seja por uma comunidade de idosos, simbólica e literalmente nomeada Vila Vida. O chamado fica no limite do sentimental, mas a dança é um lastro e tanto para o novo espetáculo apresentado anteontem no Sesc Vila Mariana.
Na primeira parte, vídeos registram estranheza ou indiferença, na vida urbana de Goiânia (sede do grupo), provocadas "ao vivo" por bailarinos, que também dançam, realmente ao vivo, no palco, em contraponto com os filmes. São várias cenas de uma dança forte, com movimentos arrojados, no limite dos corpos. Por exemplo: um duo de homens desafia a gravidade com seus giros e apoios. Lançam-se no espaço criando um campo de tensão, que se suaviza no encontro dos dois: seu emblema é um abraço infinito. Nas imagens intermitentemente projetadas do vídeo-cenário, esse abraço causa incômodo e modifica o ambiente da rua.
A construção coreográfica é inovadora e marcante, nos gestos e nas sequências de passos. O princípio do "sampler" (módulo repetido), que organiza a trilha eletrônica -amplificada no limite da agressão-, serve também, nalguma medida, à dança. Falta alguma coisa na relação espacial dos corpos? Talvez. A violência da música é barata? Com certeza; e alguém dirá que é intencional.
No cenário inicial, painéis de vidro e blocos brancos empilhados, criando reflexos e/ou transparências para os corpos e servindo como telas de projeção. Na segunda parte, a projeção é feita de modo "caseiro", com bailarinos esticando um pano branco e posicionando o projetor -ritual repetido muitas vezes, dramatizando outro teatro de redundâncias.
São depoimentos de idosos, moradores da Vila Vida; e o engajamento emocional desses homens e mulheres contrasta com a frieza dos mortos-vivos de antes. É pelos olhos deles que Rodovalho quer ver, agora, o mundo. E o mundo é visto na perspectiva realista e humana da morte. O que não elimina o risco da emotividade fácil. Traduzida em dança, leva a uma simplificação dos gestos.
O gesto final não tem nada de simples: corpos seminus, sentados de costas para a platéia, como uma dezena de Ingres, encarnando vida e morte nas formas vivas e mortas de uma obra que acaba.


Empresta-me Teus Olhos    
Com: Quasar
Onde: teatro do Sesc Vila Mariana (r. Pelotas, 141, SP, tel. 0/xx/11/5080-3000)
Quanto: de R$ 5 a R$ 15
Quando: hoje, às 21h, e amanhã, às 18h



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