São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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Ensaísta aposta na autobiografia

ANTONIO ARRUDA
DA REPORTAGEM LOCAL

"Faça uma pose. Eu faço. Agora." É dessa forma, literalmente exposto aos olhos do leitor, que o professor de comunicação Denilson Lopes, 35, termina o ensaio "Terceiro Manifesto Camp", publicado no livro "O Homem que Amava Rapazes - E Outros Ensaios", lançado em junho pela Aeroplano Editora.
Não só nesse estudo, no qual fala do camp como elemento que define a identidade homossexual no século 20, o autor se mistura, com suas experiências, aos pensamentos e teorias que desenvolve.
Todo o livro é um cruzamento entre análises sobre cultura pop, cinema, literatura e homossexualidade e depoimentos pessoais, marcados por relatos do tipo: "Eu criava amigos imaginários e me masturbava vendo o Robin do desenho animado do Batman".
Narrador confessional travestido de ensaísta ou ensaísta que se traveste de contador de casos pessoais? "Quero me manter na fronteira entre gêneros, ficar no meio", diz Lopes, para quem o crítico francês Roland Barthes é uma das grandes referências na adoção dessa linhagem ensaística.
"Pretendo ter uma comunicabilidade maior com o leitor. Narrando experiências pessoais é mais fácil e interessante introduzir a reflexão acadêmica", explica. O poeta e ensaísta Italo Moriconi, que assina o prefácio do livro, foi quem manteve o autor no trilho da autobiografia. "Pensei em limpar alguns ensaios, mas o Italo me convenceu do contrário."
Se "limpasse", o texto "E Eu Não Sou um Travesti Também?", por exemplo (no qual Lopes comenta sobre o já citado desenho do Batman), apresentaria somente um panorama sobre o travestismo incorporado à cultura pop dos anos 90, com observações acerca de romances como "Onde Andará Dulce Veiga?", de Caio Fernando Abreu, e "Stella Manhattan", de Silviano Santiago (a quem Lopes dedica o livro e a quem agradece o trecho de um poema inédito do cantor Cazuza, citado no ensaio que dá título à obra).
Mas, como optou por se mostrar sem vergonha no livro, o autor escreve, nesse mesmo ensaio: "Quero me desnudar e sempre encontro a pose, a afetação, a escritura. A vida não me é suficiente a não ser como teatro".
Nesse ir-e-vir teatralizado, as análises do coordenador do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade de Brasília se misturam às experiências do homossexual que, como diz, é "militante pela escrita".
Dessa forma, Lopes encontra espaço para falar sobre a evolução dos estudos gays no Brasil; sobre a paixão entre Gustav Aschenbach e Tadzio, personagens do filme "Morte em Veneza", de Luchino Visconti, como sendo uma experiência de voyeurismo apresentada como "um ato pedagógico, de reeducação dos sentidos, rumo a uma visão de mundo afetiva"; traça um panorama sobre a história da homotextualidade na literatura brasileira, percorrendo de Adolfo Caminha a Caio Fernando Abreu (escritor que Lopes vem estudando nos últimos quatro anos); e até ousa e surpreende o leitor inserindo um conto, "Caderno T", entre suas análises.
"Esse livro é meu xodó. Estou carregando ele no colo. É uma obra corajosa", diz a pesquisadora Heloísa Buarque de Hollanda, cujo ânimo em relação ao livro deve ser relativizado pelo fato de que ela é diretora da Aeroplano, que editou a obra. Sobre essa coragem de marcá-lo mais como ativista gay do que como ensaísta, diz o autor de "O Homem que Amava Rapazes": "Não tive escolha. É minha forma de mediação com o mundo".


O HOMEM QUE AMAVA RAPAZES - E OUTROS ENSAIOS. Autor: Denilson Lopes. Editora: Aeroplano. Quanto: R$ 18 (270 págs.).


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