São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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"UTÓPICOS, HERÉTICOS E MALDITOS"

Coletânea estimula desafio a verdades econômicas absolutas

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Num momento histórico em que o debate de idéias econômicas parece ter se reduzido a pequenas variações em torno de um modelo consensual, situação que perdura desde a queda do Muro de Berlim, a importância de preservar a possibilidade do dissenso é maior do que nunca. Quando as teses vigentes deixam de ser questionadas, a ciência não avança, a produção intelectual se empobrece, as instituições se esclerosam.
Por isso, a edição de "Utópicos, Heréticos e Malditos", coletânea organizada por Aloísio Teixeira, merece aplausos. Professor do Instituto de Economia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ele ofereceu em 1998 aos estudantes uma disciplina eletiva na qual discutiria o pensamento de autores que, na história da teoria econômica, haviam rechaçado as idéias hegemônicas.
Teixeira restringiu seu recorte ao século 19 e tomou como ponto de referência o trabalho de Marx. O curso foi dividido em dois blocos: um que abrangia os autores que antecederam Marx (e com quem ele aprendeu e/ou polemizou) e outro com os que o sucederam (e que tentaram corrigi-lo ou negá-lo).
Na sua apresentação ao livro, Teixeira diz que, ao final das aulas, deu-se conta de que ele e os alunos haviam traduzido para o português uma coleção de textos que estavam inéditos nesta língua de autores que os brasileiros costumam ver citados em outras obras, mas raramente têm a oportunidade de ler diretamente. Daí para o livro, foi um passo.
O resultado é excelente. Cada uma das duas partes é antecedida por uma introdução de Teixeira que contextualiza a situação histórica da economia e do pensamento econômico da época em que viveram os autores dos textos.
O primeiro desses períodos vai da Revolução Industrial à fase das intensas explosões revolucionárias pelo mundo que sucedeu a Queda da Bastilha. Nesse bloco, estão textos de Saint-Simon, Fourier, Owen, John Gray, Louis Blanc e Proudhon. Os textos de cada autor são precedidos de uma breve nota biográfica e uma curta bibliografia, que ajudam o leitor a localizar-se e lhe dão instrumentos para ir adiante na exploração do assunto, caso o deseje.
A segunda parte vai da hegemonia da livre concorrência no sistema capitalista ao início da ascensão do capital financeiro. Os autores aqui são Sidney Webb, Bernard Shaw, Hobson, Karl Kautski, Veblen e Hilferding. Também aqui, notas biográficas e bibliográficas acompanham cada escritor selecionado.
É particularmente instigante na segunda metade do livro o encontro com intelectuais como Shaw e Kautski, que se destacaram não como economistas, mas sim como dramaturgo (o primeiro) e agitador cultural (o segundo). No final do século 19 e início do 20, o debate econômico ia muito além do tecnicismo que passou a dominá-lo em especial nas últimas décadas do século passado. Por isso, ele era muito mais rico e estimulante. Mesmo os economistas propriamente ditos (Keynes, por exemplo, como se depreende de sua magistral biografia produzida por Robert Skidelski) tinham visões de mundo abrangentes e criativas, como muito poucos de seus sucessores atuais parecem capazes.
"Utópicos, Heréticos e Malditos" é uma leitura estimulante. Ao seu final, é possível avaliar como é importante desafiar as verdades estabelecidas, nem que seja apenas para reforçá-las. Ficam evidentes como muitas daquelas idéias visionárias estavam equivocadas já em seu tempo e, mais, como se distanciaram da realidade nos tempos atuais. Mas elas continuam relevantes por sua ousadia e originalidade, por forçarem a revisão do que se tem como absolutamente certo e por ratificarem a máxima rodriguiana de que "toda unanimidade é burra".


O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"


Utópicos, Heréticos e Malditos    
Autor: Aloísio Teixeira (org.)
Editora: Record
Quanto: R$ 50 (532 págs.)



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