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"UTÓPICOS, HERÉTICOS E MALDITOS"
Coletânea estimula desafio a verdades econômicas absolutas
CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Num momento histórico em
que o debate de idéias econômicas parece ter se reduzido a
pequenas variações em torno de
um modelo consensual, situação
que perdura desde a queda do
Muro de Berlim, a importância de
preservar a possibilidade do dissenso é maior do que nunca.
Quando as teses vigentes deixam
de ser questionadas, a ciência não
avança, a produção intelectual se
empobrece, as instituições se esclerosam.
Por isso, a edição de "Utópicos,
Heréticos e Malditos", coletânea
organizada por Aloísio Teixeira,
merece aplausos. Professor do
Instituto de Economia da UFRJ
(Universidade Federal do Rio de
Janeiro), ele ofereceu em 1998 aos
estudantes uma disciplina eletiva
na qual discutiria o pensamento
de autores que, na história da teoria econômica, haviam rechaçado
as idéias hegemônicas.
Teixeira restringiu seu recorte
ao século 19 e tomou como ponto
de referência o trabalho de Marx.
O curso foi dividido em dois blocos: um que abrangia os autores
que antecederam Marx (e com
quem ele aprendeu e/ou polemizou) e outro com os que o sucederam (e que tentaram corrigi-lo ou
negá-lo).
Na sua apresentação ao livro,
Teixeira diz que, ao final das aulas, deu-se conta de que ele e os
alunos haviam traduzido para o
português uma coleção de textos
que estavam inéditos nesta língua
de autores que os brasileiros costumam ver citados em outras
obras, mas raramente têm a oportunidade de ler diretamente. Daí
para o livro, foi um passo.
O resultado é excelente. Cada
uma das duas partes é antecedida
por uma introdução de Teixeira
que contextualiza a situação histórica da economia e do pensamento econômico da época em
que viveram os autores dos textos.
O primeiro desses períodos vai
da Revolução Industrial à fase das
intensas explosões revolucionárias pelo mundo que sucedeu a
Queda da Bastilha. Nesse bloco,
estão textos de Saint-Simon, Fourier, Owen, John Gray, Louis
Blanc e Proudhon. Os textos de
cada autor são precedidos de uma
breve nota biográfica e uma curta
bibliografia, que ajudam o leitor a
localizar-se e lhe dão instrumentos para ir adiante na exploração
do assunto, caso o deseje.
A segunda parte vai da hegemonia da livre concorrência no sistema capitalista ao início da ascensão do capital financeiro. Os autores aqui são Sidney Webb, Bernard Shaw, Hobson, Karl Kautski,
Veblen e Hilferding. Também
aqui, notas biográficas e bibliográficas acompanham cada escritor selecionado.
É particularmente instigante na
segunda metade do livro o encontro com intelectuais como Shaw e
Kautski, que se destacaram não
como economistas, mas sim como dramaturgo (o primeiro) e
agitador cultural (o segundo). No
final do século 19 e início do 20, o
debate econômico ia muito além
do tecnicismo que passou a dominá-lo em especial nas últimas décadas do século passado. Por isso,
ele era muito mais rico e estimulante. Mesmo os economistas
propriamente ditos (Keynes, por
exemplo, como se depreende de
sua magistral biografia produzida
por Robert Skidelski) tinham visões de mundo abrangentes e
criativas, como muito poucos de
seus sucessores atuais parecem
capazes.
"Utópicos, Heréticos e Malditos" é uma leitura estimulante. Ao
seu final, é possível avaliar como é
importante desafiar as verdades
estabelecidas, nem que seja apenas para reforçá-las. Ficam evidentes como muitas daquelas
idéias visionárias estavam equivocadas já em seu tempo e, mais,
como se distanciaram da realidade nos tempos atuais. Mas elas
continuam relevantes por sua ousadia e originalidade, por forçarem a revisão do que se tem como
absolutamente certo e por ratificarem a máxima rodriguiana de
que "toda unanimidade é burra".
O jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico"
Utópicos, Heréticos e Malditos
Autor: Aloísio Teixeira (org.)
Editora: Record
Quanto: R$ 50 (532 págs.)
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