São Paulo, sábado, 20 de julho de 2002

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LIVROS/LANÇAMENTOS

"A TAÇA DE OURO"

Em seu último romance, que sai agora em português, autor ousou na forma de contar suas histórias

Henry James mimetiza a percepção humana

MARCELO PEN
CRÍTICO DA FOLHA

Hoje em dia, é difícil crer que Henry James (1843-1916) tenha sido um escritor popular. No entanto, seu romance "The American" teve edição pirata nos EUA, enquanto "Retrato de uma Senhora" virou um best-seller no final do século 19. Ao mesmo tempo, Daisy Miller, heroína de sua novela homônima, tornou-se expressão da moda, designando qualquer moça americana, voluntariosa e deslumbrada, em férias na Europa.
A concepção de Henry James como escritor difícil surgiu depois, com suas últimas histórias. Os temas se mantiveram: a traição, o choque de culturas, a inter-relação entre arte e vida, mas o estilo se refinou. James havia superado o realismo que o consagrara e se lançava em projetos cada vez mais experimentais. Poucos, em sua época, os entenderam.
É o caso deste "A Taça de Ouro", seu último romance completo. O germe da história é simples. Surgiu ao autor doze anos antes de escrevê-la. "Pai e filha, o marido de uma e a esposa do outro enredados numa paixão mútua, uma intriga", anotou James. Pensava em história curta para vender à revista "Harper". Havia um senão: o elemento adulterino do assunto. "Mas não seria simplesmente uma questão de como tratá-lo?", perguntou-se.
O tratamento do assunto é o que fez a diferença. Em vez de narrativa curta, "entre 60 mil a 75 mil palavras", temos dos mais longos romances do autor. Em vez de um observador externo, James preferiu contar a história por meio de dois pontos de vista principais.
A primeira parte do livro é narrada através dos olhos do príncipe Amerigo, que se casa por interesse com a milionária Maggie Verver. Maggie e seu pai, Adam, têm uma relação muito íntima. Para que ele não se sinta só, Maggie propõe que o pai se case com uma amiga dela, Charlotte Stant. O que a filha não sabe é que Charlotte conhecia o príncipe. Eles tiveram um caso, mas se separaram, pois nenhum tinha dinheiro. A atração entre os dois ressurge, enquanto o elo entre Maggie e Adam continua firme.
Antes das núpcias de Maggie, Charlotte sugere ao príncipe um presente de casamento: uma taça de cristal revestida de ouro. Ele recusa o mimo por superstição. O objeto apresenta uma rachadura imperceptível. A taça de ouro tem repercussão simbólica no romance. Seu magnífico exterior emblema a felicidade aparente do matrimônio entre o príncipe e Maggie, ao passo que a fratura denuncia a natureza frágil desse enlace.
Caberá a Maggie compreender e reverter a situação. A segunda parte da obra se fundamenta em sua perspectiva. Há um componente novo no caráter da jovem. Foi no terreno de seu comportamento íntimo com o pai (e distante em relação ao marido) que a traição pôde engendrar-se. E, ao contrário das outras heroínas de James, Maggie mostrará que sabe agir com astúcia.
James procurou levar adiante a técnica dramática de narração. O contador de histórias se afasta para dar lugar ao que se passa na mente dos protagonistas. Somos inteirados da situação por meio daquilo que os personagens pensam, falam, por sua maneira de agir. Esse método dramático pretendia mimetizar a percepção humana das coisas. Paradoxalmente, foi chamado de pomposo e artificial. Precisou que críticos como Ezra Pound e Percy Lubbock defendessem o romancista, para que ele fosse compreendido pelo que tentava ser: um explorador de sua arte.


A Taça de Ouro
The Golden Bowl     
Autor: Henry James
Tradutor: Alves Calado
Editora: Record
Quanto: R$ 55 (592 págs.)



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