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São Paulo, domingo, 20 de julho de 2003

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CRÍTICA

Silvio Santos na fila da eternidade

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Quem precisa de ficção quando se tem Silvio Santos? Ou melhor, para que Silvio Santos vai gastar dinheiro com jornalismo e teledramaturgia, quando ele mesmo é capaz de produzir versões particularíssimas de ambos, com apenas um telefonema?
Há dez dias a imprensa não pára de falar em Silvio Santos, ora para investigar o grau de veracidade de suas afirmações, ora querendo descobrir a história por trás da história. Seria um factóide? Uma pegadinha? O trailer de um "reality show" bizarro? Uma estratégia consciente de marketing? Nenhuma dessas hipóteses parece dar conta do ocorrido.
Onde falham as ferramentas da análise e da investigação, talvez as da ficção sejam mais eficazes. O título da obra, uma peça para ser encenada no circo da mídia, poderia ser "Ninguém Fura a Fila da Eternidade". Soa pomposo à primeira vista, mas, num segundo exame, não esconde seu ar de filosofia barata.
O cenário é Celebration, Flórida, uma cidade planejada, construída e mantida por um megaconglomerado de empresas especializadas em parques de diversão. Concebida como uma espécie de síntese do ideal norte-americano de cidade pequena, Celebration parece ser a Terra do Nunca levada a sério.
O protagonista é um "self-made man" que, dizem, em algumas décadas passou de camelô a dono da segunda maior emissora de televisão do Brasil. Depois de anos como apresentador de programas de auditório e dono de um negócio chamado Baú da Felicidade, ele se dedica ao hobby de criar histórias em que o personagem principal é ele mesmo. A melhor foi uma tentativa de candidatura à Presidência da República na primeira eleição direta feita depois de 25 anos de regime militar.
O telefone toca. A repórter de uma tradicionalíssima revista de TV liga para Silvio Santos. Ela tenta apurar informações sobre uma doença terminal. O homem desanda a falar. Confirma a doença, diz que vai morrer -em seis anos. Anuncia a venda do SBT a ninguém menos que uma rede mexicana de TV, a Televisa, e a José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, outrora o "homem forte" da sua principal concorrente. Diz que não volta mais ao Brasil. Como nos roteiros mais vagabundos, para qualquer questionamento da jornalista, ele tem uma resposta, ainda que capenga.
As informações são falsas, mas a capa da revista é verdadeira e começa a gerar desdobramentos -estes, por sua vez, também reais. Repórteres procuram saber o que diretores da empresa e outras personalidades televisivas acharam disso tudo. Agências internacionais ecoam. Anunciantes ficam temerosos. As ações da emissora despencam. O público não acredita -mas ainda assim acorre à TV aos montes. Os jornais e revistas comentam.
E o pior é que o pano nunca cai.

E-mail: biabramo.tv@uol.com.br


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