São Paulo, domingo, 20 de agosto de 2006

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Mônica Bergamo

bergamo@folhasp.com.br

Fábula brasileira

Quatro garotas que sonham em ser grandes modelos cruzam o Brasil num ônibus à procura de novas colegas de trabalho

João Sal/Folha Imagem
Da esq. para a dir., Carolina, Layana, Jaqueline e Bruna: viagem até sem tomar banho


Uma espécie de caravana Rolidei partiu na semana passada de SP para cruzar o país de ponta a ponta, num ônibus, à caça de meninas bonitas, altas, magrinhas e novinhas (de 13 a 25), que possam engrossar a fila de inscrições de um concurso de modelos, o Mega Model, um dos maiores do Brasil. O desafio é grande: no ano passado, sem a caravana, o evento atraiu mais de um milhão de garotas.
 

A "trupe" da Mega é formada por quatro modelos, escolhidas porque têm "cara boa, corpo bom" e alguma desinibição, de acordo com Newton Oliveira, 39, que está no batente há 18 anos e comanda o grupo. A missão delas, e dele, é distribuir panfletos para candidatas a candidatas ao concurso. Às 19h de terça, 8, o ônibus da Mega estaciona em frente ao hotel Ibis, de Caxias do Sul. As próprias modelos carregam as malas -19! - para os quartos. E correm para o Mc Donald's do shopping mais próximo.
 

Newton deixa as garotas na lanchonete e se afasta para telefonar. Três delas pedem Big Tasty, o sanduíche mais calórico do cardápio (843 kcal). Engordar (ainda) não é um problema para as meninas. "Já fiz até exame para ver se eu tinha lombriga, mas não deu nada", diz Bruna Ramos, 21.
 

Newton volta, esbaforido. "Gente, corre, vamos procurar uma ruiva que está com o namorado", diz. A candidata a candidata sumiu na multidão. Layana Casotti, 22, que largou a faculdade de fisioterapia para ser modelo, sai correndo pelo shopping com Newton atrás da "promessa". Em cinco minutos, localizam a jovem. "Ah, não. Já sou modelo", diz Dayane Mussoi, 18, ao ver o panfleto do concurso cujo slogan é "seu sucesso está em suas mãos". "E o que você ainda está fazendo aqui no sul, menina?", pergunta Newton. "Você tem que se inscrever no concurso porque tem grandes chances de ganhar e trabalhar em SP", afirma. "E, se não ganhar, com certeza a Mega vai te querer."
 

Dayane reluta. "Tem que mandar foto de biquíni. Eu "tô" gorda, com celulite...". Newton insiste: o prêmio (também) é gordo, US$ 100 mil em contratos com a Mega para a campeã.
 

O sonho que eles vendem para a garota é a certeza de lucro para a Mega. A agência conseguiu arrancar R$ 15 milhões dos patrocinadores para o concurso. O lucro do evento? Eli Hadid, dono da Mega, não revela. "Eu quero lucrar novas tops", afirma. No dia seguinte, a mãe de Dayane telefona para Newton. Quer mais detalhes do concurso.
Às 22h, o grupo sai do shopping e caminha até o hotel. Layana brinca: "Quem acha que a gente comeu muito bate uma palma". Todas batem.
 

Newton vê, de longe, uma moça no ponto de ônibus. Alerta as meninas: presa à vista. "O biótipo é de modelo, mas precisamos ver a garota de perto." A equipe se aproxima. "Viu? Acertei, ela é mesmo bonita." A investida do grupo fracassa. A gaúcha não quer saber dessa coisa de modelo.
 

Na manhã de quarta, o grupo se encontra no café da manhã. Às 11h, o ônibus parte. Primeira parada: Bento Gonçalves, cidade de 100 mil habitantes. "Vamos tentar fazer uma divulgação aqui", diz Newton. "Naquele restaurante. Tem umas menininhas lá." "Oi, nós estamos aqui para divulgar o concurso da Mega, que premia a vencedora com contratos de até US$ 100 mil. Achamos que vocês têm chance de ganhar", diz Layana. Uma das "menininhas" revela o sonho de ser modelo. Mas a mãe proíbe. "É normal a família não aceitar", diz Layana. "Você tem que falar que ser modelo é um trabalho digno."
 

A caça prossegue. "A cidade está muito morta", constata Newton. O grupo almoça e põe o pé na estrada, rumo a Nova Prata, a 58 km de Bento Gonçalves. Carolina Brum, 19, conta que começou naquele dia mesmo uma dieta vapt-vupt, à base de mamão e suco de cenoura "para desintoxicação alimentar", conforme leu num livro. Ela já colocou 280 ml de silicone nos seios e quer fazer uma raspagem na costela para afinar a cintura. Jaqueline de Oliveira, 20, a Jaque, já colocou 250 ml de silicone nos seios, fez preenchimento labial e plástica no nariz. Layana tem 300 ml e reconhece em si um "defeito": é míope. "Mas pelo menos tenho olho azul." Bruna é a única que ainda não passou pelo bisturi. Por enquanto. "Quero pôr silicone", diz.
 

Newton afirma que as quatro tiraram a sorte grande: a viagem poderá proporcionar "até R$ 30 mil em contratos" para elas, pela fama que vão ganhar no mundo da moda depois da caravana.
 

O ônibus chega a Nova Prata às 17h. Estaciona. Alessandra de Souza, 15, se aproxima do grupo. "Eu quero ser modelo. Minha família me apóia, mas não tem dinheiro para me mandar para SP." Layana afirma: "Não desanime. A agência está atrás de meninas como você. Magra, alta, bonita".
 

A expedição deixa dois sacos de roupa numa lavanderia e vai a uma escola pública divulgar o concurso. A chegada das modelos atiça mais os garotos do que as meninas. "Gostosa." "Linda." "Tem namorado?". As quatro distribuem panfletos -são mais de 300 por dia.
 

Às vezes, o olhar falha. Numa feira de artesanato, elas abordam uma moça alta e magra. Mas "velha". "Agora não dá mais. Tenho quase 30 anos", diz ela. Mais panfletagem, depois jantar numa pizzaria da cidade, visita a um festival de folclore e -enfim! - uma balada. "A gente chega e causa a maior ciumeira nas outras mulheres", diz Layana. Elas dançam até as 4h. "Não paro de pensar no meu noivo", diz Carol.
 

Bruna e Jaque falaram com as mães só uma vez desde o começo da viagem -já com o namorado, Jaque fala todos os dias. Carol falou três e Layana tenta ligar dia sim, dia não.
 

Ao sair da boate, todas vão direto para o ônibus. Escondem-se entre as poltronas para colocar os pijamas. Escovam os dentes no banheiro do veículo, sentam e dormem. Sem tomar banho. No dia seguinte, quinta-feira, o ônibus volta para Caxias do Sul e segue, depois, para Porto Alegre. Na capital, uma parada estratégica na sede local da agência Mega. Carol corre para a balança. "Emagreci dois quilos", diz ela.
 

A caravana vai passar por 17 Estados do país, sem destino definido: as cidades vão sendo escolhidas pelo caminho. A viagem só termina em dezembro. Newton lembra que, em outubro, o Brasil elegerá mais um presidente da República. As garotas vão estar longe de casa. Não vão poder teclar o voto na urna eletrônica. Jaque afirma que "votaria na mulher". Bruna diz: "Nem sei quem são os candidatos nesta eleição".


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