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ARTE E PSICANÁLISE
Ligado a Oswald e ao Movimento Antropofágico via Freud, Flávio de Carvalho chegou a ir a Viena
Artista plástico fez "retratos psicológicos"
Arquivo Pessoal
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O escritor Oswald de Andrade (esq.) e o engenheiro, arquiteto e pintor Flávio de Carvalho (dir.), fotografados em São Paulo, em 33 |
DA REPORTAGEM LOCAL
Flávio de Carvalho, engenheiro,
arquiteto, pintor, escritor e artista
multimídia antes de o termo existir não participou da Semana de
Arte Moderna em fevereiro de
1922 porque não estava no Brasil.
Chegou da Europa em setembro.
Mas, mesmo sem ter sido vaiado nas escadarias do Teatro Municipal naquele fevereiro de 22,
Flávio pode ser considerado não
só um modernista de primeira
hora, como o mais provocativo
deles todos. E, ao lado de Mário, o
mais psicanalítico também.
Só que, ao contrário de Mário,
não era um homem discreto. Em
1931, realiza uma "experiência
psicológica" em São Paulo. Consiste em enfrentar uma procissão
de Corpus Christi de boné na cabeça. De acordo com o seu biógrafo, o arquiteto J. Toledo, quase
foi linchado.
Em 1934, teve sua primeira exposição individual fechada pela
polícia por imoralidade. Em 1939
foi preso por tomar banho nu na
praça Júlio de Mesquita, no centro de São Paulo. Em 1956, saiu de
saias pelas ruas de São Paulo para
mostrar o que seria uma moda
adequada ao clima tropical que
havia pesquisado por 12 anos.
Surrealismo
A paixão de Flávio por Freud
deve ter começado entre 1926 e
27, talvez como repercussão do
Manifesto Surrealista lançado por
Breton em 1924, em que Freud é
citado. Na Europa, a psicanálise
começou a entrar na arte a partir
do surrealismo. A influência anterior a isso no Brasil é uma característica local.
O fato é que surrealismo e psicanálise marcariam a vida de Flávio
até a morte, em 1973. "Nos últimos anos", conta Toledo, amigo
de Carvalho, "Flávio lia Freud todos os dias de manhã". Toledo é
autor de "Flávio de Carvalho, o
Comedor de Emoções" (Unicamp/ Brasiliense, 1994).
Por coincidência, a última tela
do artista, completada dias antes
da morte, é um retrato do psicanalista inglês Wilfred Bion.
Bion, que ao lado de Donald W.
Winnicott forma a dupla de psicanalistas mais importantes na geração que se segue a Melanie
Klein, visitou o Brasil na década
de 70 e encontrou-se com Flávio.
Foi levado por um amigo comum,
o psicanalista inglês Frank Philips, que clinicava no Brasil e havia encomendado a Flávio dois retratos de Bion.
Flávio morava em uma fazenda
em Valinhos (SP), perto de Campinas, numa casa projetada por
ele mesmo. De um encontro com
Philips e outros amigos na fazenda, já no final da vida, restou um
relato escrito, no qual ele reafirma
a ligação entre o surrealismo e a
psicanálise que o influenciava
desde os anos 20: "O surrealismo
faz parte da essência, tanto do ego
como do id... O material colhido
nos sonhos se apresenta com feições e estruturas surrealistas", escreve Flávio.
Sob influência da psicanálise,
Flávio "renovou a arte do retrato
no Brasil", diz Toledo. Ele começou a fazer "retratos psicológicos". O de Mário de Andrade (veja à pág. E 6) é "o mais perturbador e o mais belo de todos os que
foram feitos do escritor", afirma a
professora de estética Gilda de
Mello e Souza, da Universidade
de São Paulo.
Movimento Antropofágico
Embora apreciado por Mário, a
grande ligação de Flávio seria
com Oswald. O pintor foi um
grande militante do Movimento
Antropofágico, lançado por Oswald em 1928. E a ligação de ambos passava por Freud.
No "Manifesto Antropófago",
Oswald cita Freud três vezes. Logo
de entrada, afirma: "Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama.
Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa".
O partido oswaldiano teria em
Flávio um militante pertinaz e
freudiano a partir de 1929. A primeira contribuição de Flávio é
um texto inédito denominado
"Brasil/Freud".
Em julho de 1930, uma crônica
de Carlos Drummond de Andrade, não muito simpática à filosofia
antropofágica, dá conta da conferência "A Antropofagia no Século
20", pronunciada por Flávio em
Belo Horizonte.
"Em toda a conferência, que
agradou, mas não convenceu, não
se ouviu uma palavra sobre arquitetura. Recalque... Sublimação...
Pesquisa... rendimento máximo...
Homem nu... Romantismo... Esta
última palavra convém ao sr. Flávio de Carvalho e ao credo estético e filosófico que o engenheiro
paulista defende com uma tão
adorável ingenuidade", escreve
Drummond.
Tal como Drummond, Manuel
Bandeira participa de maneira
mais discreta (como, aliás, é típico
dos intelectuais ligados a Mário
de Andrade) do credo psicanalítico. "No entanto, ele relata ter tido
aulas de psicanálise no Rio, com o
psicólogo polonês Waclaw Radecky", conta o crítico de arte Olívio Tavares de Araújo, um dos curadores da mostra do Masp.
A mesma influência discreta de
Freud aparece em outros pintores
que estarão na mostra, como Ismael Nery, Tarsila do Amaral e
Cícero Dias. "A importância deles
está em ter deixado, no interior do
modernismo, fluir o inconsciente,
provavelmente por influência
também do surrealismo", diz Olívio. A seção de artes plásticas trará também artistas contemporâneos, como Farnese de Andrade,
nos quais o impacto da psicanálise é mais evidente.
Encontro frustrado
Em todo caso, nada semelhante
ao envolvimento que Flávio de
Carvalho teve com o assunto, a
ponto de viajar a Viena, em 1936,
para encontrar-se com Freud. O
encontro teria chegado a ser agendado, mas Freud acabou indo tirar férias nas montanhas.
Flávio ficou decepcionadíssimo.
"A grande perda", diz Toledo, "é
que ele faria um lindo retrato de
Freud".
(ANDRÉ SINGER)
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