São Paulo, terça, 20 de outubro de 1998

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Klemperer exibe pompa e gravidade

especial para a Folha

O nome soa duro e marcial: Otto Klemperer. As fotografias alternam imagens de uma autoridade incontestável, ressaltada por óculos escuros quase soturnos no centro de um rosto de linhas retas, com visões de sofrimento humano à flor da pele, traduzidas em olhos que parecem estar se retraindo.
Klemperer foi, em escala descendente de importância, um dos maiores maestros do nosso tempo, um grande encenador de ópera, um promotor de compositores antigos (Mahler) e novos (Hindemith, Janacek) e um compositor bissexto de música sinfônica e de câmara.
² O Legado de Klemperer
Seu legado de regente pode ser conhecido, agora, de forma resumida, mas representativa, na coleção "The Klemperer Legacy", lançada pela EMI.
Nascido na Alemanha, em 1885, Klemperer teve um início fulgurante de carreira.
Apoiado por Mahler -de quem viria a se tornar um grande intérprete- assumiu postos prestigiosos em Praga e Hamburgo, mal tinha completado vinte anos.
Interessado na música contemporânea, usou sua influência, depois, como regente titular do Teatro Kroll de Berlim, para produzir a estréia alemã de obras como Édipo Rei, de Stravinski, Erwartung, de Schoenberg, e A Casa dos Mortos, de Janacek.
Sua montagem de "O Holandês Voador", de Wagner, em 1929, foi precursora das inovações de Wieland Wagner em Bayreuth, cujos reflexos são notados até hoje.
Pressentindo o que estava por vir na Alemanha, Klemperer, que era judeu, emigrou para os Estados Unidos em 1933.
Nos EUA, tornou-se regente da Filarmônica de Los Angeles e teve parte na reestruturação da Orquestra de Pittsburgh.
No final dessa década seria operado de tumor cerebral -a primeira de uma série de doenças graves que afetariam sua saúde mental e física até o fim da vida, obrigando-o a se afastar da regência por longos períodos.
Foi só nos anos 50 que Klemperer voltou em caráter definitivo à Europa, como regente principal da Philharmonia Orchestra, em Londres. Com a morte de Furtwängler e Toscanini, passou a ser visto como o maestro de referência para o repertório austríaco e alemão, de Haydn a Berg.
Ao morrer, em 1972, com 87 anos, Klemperer já transcendera em muito a própria atividade.
Equilibrado na bengala, entrando com dificuldade no palco, Klemperer se tornou um monumento de si mesmo, esculpido na pedra viva da música.
A coleção da EMI traz gravações da música de Wagner e Strauss, entre outros, com destaque para a integral das sinfonias de Beethoven.
² Beethoven moderno
Gravadas entre 1955 e 1959, com a Philharmonia Orchestra, as sinfonias têm em Klemperer o intérprete por excelência de um Beethoven moderno, mas anterior ao movimento da performance autêntica. O CD reunindo as Sinfonias nş 4 e nş 7 é um bom exemplo.
Ouvido há trinta anos, poderia soar convencional, muito embora o vigor do maestro e a sonoridade volumosa e direta que ele era capaz de extrair da orquestra não tenham equivalente ou competidor.
Trinta anos depois, o efeito é paradoxalmente novo: uma leitura definitiva, inteiramente dentro e simultaneamente fora do seu tempo, um Beethoven que o século 20 entrega à posteridade como uma criação própria e acabada.
Comparada à performance de regentes atuais, como John Eliot Gardiner ou Daniel Barenboim (para ficar em exemplos recentes), a interpretação de Klemperer tem, de um lado, o peso e a pompa de uma certa imagem heróica de Beethoven, comum no período pós-guerra; mas, de outro lado, uma sabedoria e convicção musical capazes de transformar o peso em gravidade e a pompa em grandeza.
O Beethoven de Otto Klemperer é sério: tão sério como os tempos, ou sua testemunha no pódio da orquestra. Deve-se ao maestro a tradução das sinfonias para a consciência do meio-século, cujas luzes e sombras só agora, duas gerações mais tarde, somos capazes, quem sabe, de começar a ouvir. (AN)
²
Disco: The Klemperer Legacy -Sinfonias nş 4 e nş 7 Compositor: Beethoveen Regente: Otto Klemperer Lançamento: EMI (importado) Quanto: R$ 22, em média


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