São Paulo, sexta, 20 de novembro de 1998

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"The Lion' não é o desenho

do enviado a Nova York

A diretora Julie Taymor também tinha os seus temores, ao assumir a encenação de "The Lion King", já o desenho animado de maior sucesso na história. Reconhecida no teatro experimental, ela aprendeu no Open Theater de Joseph Chaikin nos anos 70, estudou teatro de bonecos por quatro anos em Bali e dirigiu espetáculos "off" de repercussão, como "Juan Darién". Nada tinha de Disney.
Mas começou buscando pontos de contato, no que sabe fazer melhor: criar máscaras para teatro. Criou a máscara de Mufasa, o rei leão, pai de Simba, que se tornou a marca do espetáculo e que explica o assombro artístico que é "The Lion King". Nas palavras da própria Julie Taymor: "Eu me senti deliciada e aliviada: eu vi Disney, eu vi África e eu vi a minha própria estética".
"The Lion King" não é o desenho animado, embora tenha muito dele. O espetáculo é a mistura identificada por Taymor em sua máscara, reunindo uma boa história da Disney à força da cultura negra nos EUA -e à arte da diretora, herdada das correntes de vanguarda no século.
Assim, no que é um dos grandes efeitos do espetáculo, os animais não deixam de ser humanos. São os atores que movem os animais, seus rostos, suas pernas, com deliberado destaque para o ator, como na cor verde com que é pintado o ator que interpreta e manipula o boneco Timon (o oposto acontece com a Fera, em "Beauty and the Beast"). Brecht não faria melhor.
Se alguém ainda não viu o desenho, a trama é a mesma: Simba, filho de Mufasa, acredita ter levado o pai à morte e foge; cresce tentando esquecer o passado, ao lado de Timon e Pumbaa; é encontrado por Nala e volta para derrotar Scar e tornar-se o novo rei leão.
A história, já de grande interesse e com crueza incomum na Disney, remete a "Hamlet" e a "Henrique 5º", de Shakespeare, bem como a Édipo e ao filho pródigo.
Mas é a encenação, com seus figurinos em estampas africanas, com seus bonecos estilizados e em material cru, com seus arranjos carregados de percussão para as músicas já envolventes de Elton John, que faz de "The Lion King" tão brilhante espetáculo.
Taymor conseguiu dar significado vital a uma idéia/imagem que era pouco mais do que uma bobagem politicamente correta, no desenho: o círculo da vida, que de discurso ecochato saltou para um enunciado metafísico (o mesmo que está em toda parte, por sinal, de "Hamlet").
Uma cena em especial ajuda a entender o que fez Julie Taymor ser a primeira mulher a receber o prêmio Tony de melhor diretora. É a primeira cena, quando os animais se reúnem para saudar o nascimento de Simba.
Estão todos lá, num deslumbrante cortejo, do elefante às girafas, dos leões aos pássaros -e são todos atores.
(NS)


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