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"The Lion' não é o desenho
do enviado a Nova York
A diretora Julie Taymor também
tinha os seus temores, ao assumir a
encenação de "The Lion King", já o
desenho animado de maior sucesso na história. Reconhecida no teatro experimental, ela aprendeu no
Open Theater de Joseph Chaikin
nos anos 70, estudou teatro de bonecos por quatro anos em Bali e dirigiu espetáculos "off" de repercussão, como "Juan Darién". Nada
tinha de Disney.
Mas começou buscando pontos
de contato, no que sabe fazer melhor: criar máscaras para teatro.
Criou a máscara de Mufasa, o rei
leão, pai de Simba, que se tornou a
marca do espetáculo e que explica
o assombro artístico que é "The
Lion King". Nas palavras da própria Julie Taymor: "Eu me senti deliciada e aliviada: eu vi Disney, eu
vi África e eu vi a minha própria estética".
"The Lion King" não é o desenho
animado, embora tenha muito dele. O espetáculo é a mistura identificada por Taymor em sua máscara, reunindo uma boa história da
Disney à força da cultura negra nos
EUA -e à arte da diretora, herdada das correntes de vanguarda no
século.
Assim, no que é um dos grandes
efeitos do espetáculo, os animais
não deixam de ser humanos. São
os atores que movem os animais,
seus rostos, suas pernas, com deliberado destaque para o ator, como
na cor verde com que é pintado o
ator que interpreta e manipula o
boneco Timon (o oposto acontece
com a Fera, em "Beauty and the
Beast"). Brecht não faria melhor.
Se alguém ainda não viu o desenho, a trama é a mesma: Simba, filho de Mufasa, acredita ter levado
o pai à morte e foge; cresce tentando esquecer o passado, ao lado de
Timon e Pumbaa; é encontrado
por Nala e volta para derrotar Scar
e tornar-se o novo rei leão.
A história, já de grande interesse
e com crueza incomum na Disney,
remete a "Hamlet" e a "Henrique
5º", de Shakespeare, bem como a
Édipo e ao filho pródigo.
Mas é a encenação, com seus figurinos em estampas africanas,
com seus bonecos estilizados e em
material cru, com seus arranjos
carregados de percussão para as
músicas já envolventes de Elton
John, que faz de "The Lion King"
tão brilhante espetáculo.
Taymor conseguiu dar significado vital a uma idéia/imagem que
era pouco mais do que uma bobagem politicamente correta, no desenho: o círculo da vida, que de
discurso ecochato saltou para um
enunciado metafísico (o mesmo
que está em toda parte, por sinal,
de "Hamlet").
Uma cena em especial ajuda a entender o que fez Julie Taymor ser a
primeira mulher a receber o prêmio Tony de melhor diretora. É a
primeira cena, quando os animais
se reúnem para saudar o nascimento de Simba.
Estão todos lá, num deslumbrante cortejo, do elefante às girafas,
dos leões aos pássaros -e são todos atores.
(NS)
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