São Paulo, sexta, 20 de novembro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GASTRONOMIA
SP recebe mestre italiano da "cozinha total'

Reprodução
Galinha d'angola ao vinho tinto, uma das especialidades de Gualtiero Marchesi, chef italiano que estará no Brasil para promover festival


JOSIMAR MELO
especial para a Folha

Ao mesmo tempo que entrou no circuito internacional das artes, o Brasil passou também a receber grandes astros da culinária. Agora é a vez de Gualtiero Marchesi, o mais conhecido e influente cozinheiro italiano da atualidade.
Entre a próxima quarta-feira e 1º de dezembro ele estará no restaurante Infinito (no World Trade Center), em São Paulo, comandando um festival em que combina várias das fases pelas quais passou numa carreira que ocupou quase todos os seus 58 anos (já que ele começou muito cedo no restaurante de seus pais, em Milão).
Instruído, bem-humorado, polêmico em certos momentos, quando jovem Marchesi estudou hotelaria na Suíça e passou por restaurantes franceses (como Pyramide e Ledoyen). Levou à Itália uma visão de mundo ampliada, uma tradução da "nouvelle cuisine" francesa que causou certo mal-estar a um país aferrado a tradições.
Seu restaurante, com seu nome, abriu em 1977, em Milão. Em 1993, mudou-se para 90 quilômetros dali, numa vila bucólica em Erbusco, onde conquistou três estrelas do guia francês "Michelin".
Sua temporada brasileira foi organizada por Luiz Antonio de Barros, do restaurante Roma-Jardins, que escolheu também os vinhos que acompanham cada um dos pratos. É uma boa oportunidade para conhecer a arte de Marchesi, que hoje pratica uma "cozinha total", como definiu à Folha, por telefone, na seguinte entrevista.

Folha - O senhor já passou por várias fases. Como é a de hoje?
Gualtiero Marchesi -
Chamo de "cozinha total". Ou seja, faço de tudo (risos). Como dizia Picasso: "Eu trago tudo comigo; é o movimento da cozinha que me interessa". Picasso falava da pintura, é claro. Fiz minha primeira revolução na cozinha há 25 anos, a "nuova cucina". De lá para cá mudei bastante, mas "trago tudo comigo". Também percebi que, se a cozinha é como a música, é a forma de expressá-la que me interessa. No banquete japonês, o kaiseki, eles usam todas as formas de cozimento numa única refeição, todo o conhecimento acumulado. Hoje, no restaurante, eu ofereço de tudo. São quatro menus: o de pratos clássicos; o histórico Marchesi, com receitas que criei ao longo do tempo; o de outono, de pratos criativos da estação; e um menu só de massas.
Folha - O senhor perdeu uma estrela do guia "Michelin" (eram três). O senhor acha, como alguns, que eles têm uma visão muito francesa ao julgar outras cozinhas?
Marchesi -
Não creio que seja esse o problema, uma vez que outros restaurantes italianos têm três estrelas. Não sei qual foi o problema comigo. Continuo fazendo uma alta cozinha, estou sempre aqui no restaurante. Um crítico gastronômico precisa entender do assunto, como um crítico de música, que deve avaliar objetivamente uma obra barroca mesmo que ele prefira o estilo romântico; e, ao dar uma nota, tem que explicá-la, o que o guia "Michelin", no caso, não faz.
Folha - Diante da crise econômica, o senhor acha que ainda há lugar para a alta cozinha, com ingredientes e serviço muito caros?
Marchesi -
Estou convicto de que a alta cozinha só poderá reviver nos grandes hotéis, os únicos que podem realizar grandes investimentos, importantes para seu prestígio. Uma pessoa que queira abrir um grande restaurante terá dificuldades financeiras.
Folha - O futuro estaria então nesse estilo mais simples?
Marchesi -
Hoje, a grande cozinha tem outras dificuldades com o público, não só o dinheiro. Menos gente se dispõe a ficar quatro horas comendo, ninguém tem tempo. Também há menos trabalho físico pesado, então as pessoas querem comer mais leve. O futuro está em menus menores, mas bem feitos, mais leves e rápidos. Uma cozinha mais elegante é refinada, portanto mais feminina, pois são as mulheres as mais elegantes.
Folha - Há muitas mulheres em sua cozinha?
Marchesi -
Neste momento, nenhuma, mas já cheguei a ter quatro mulheres trabalhando.
Folha - O que o senhor vai mostrar no Brasil?
Marchesi -
Um pouco de tudo. Mas veja: isso só saberemos quando eu chegar a São Paulo, ver os produtos locais, respirar o ar da cidade. Quando saí de Milão há seis anos, a cozinha mudou. O ambiente é muito importante.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.