São Paulo, sexta-feira, 20 de dezembro de 2002

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CINEMA/ESTRÉIA

"CHEGADAS E PARTIDAS"

Diretor fez "Regras da Vida" (99) e "Chocolate" (00)

Drama lacrimoso banaliza a tragédia com perfumaria

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Depois do lançamento fracassado de "Chegadas e Partidas" nos Estados Unidos, no Natal do ano passado, o cineasta Lasse Hallström resolveu voltar para a Suécia, seu país natal. Disse que precisava reavaliar os rumos de sua carreira, uma decisão para lá de sábia, principalmente se considerados seus trabalhos mais recentes, produzidos pela Miramax.
O que aconteceu com Hallström é um símbolo da própria trajetória da Miramax, produtora que deixou de representar o cinema independente para se associar, principalmente, a dramas lacrimosos, feitos para agradar acadêmicos votantes no Oscar.
E os filmes de Hallström feitos para ela ("Regras da Vida", de 1999, e "Chocolate", de 2000) são os mais emblemáticos nesse sentido, atingindo o ápice da fórmula em "Chegadas e Partidas".
Na Suécia, em 1986, Hallström dirigiu o filme que carimbou seu passaporte para o cinema americano, "Minha Vida de Cachorro".
É evidente, na sua fase americana, a tentativa de repetir o balanço entre doçura e amargura que tornava "Minha Vida de Cachorro" agradável sem perder o verniz europeu. Mas o que saiu dessa parceria com a Miramax foram filmes que invariavelmente banalizam a tragédia com perfumaria e suavidade.
Uma suavidade que, por sinal, se transforma em peso. "Chegadas e Partidas" é de tal forma engessado em um molde que se torna duramente arrastado, duro de ser visto.
Kevin Spacey (em trabalho surpreendentemente burocrático) vive Quoyle, um homem idiotizado que por força de circunstâncias improváveis retorna à sua cidade natal, na companhia de uma tia interpretada pela grande Judy Dench (elencos fortes fazem parte da marca registrada Miramax).
Na horrenda e gelada Newfoundland, ele vai descobrir um passado que envolve incesto, abuso sexual e violência doméstica.
Mas Hallström trata tudo isso com assustadora tranquilidade. Ao mesmo tempo em que descobre seu passado, Quoyle se realiza como redator de uma coluna no jornal da pequena cidade. E isso, por incrível que pareça, vai ter muito mais peso para o personagem do que as atrocidades da sua infância que vêm à tona.
No cinema, é fácil superar o sofrimento, principalmente se esse sofrimento não tem um pingo sequer de autenticidade -tudo o que falta a "Chegadas e Partidas".


Chegadas e Partidas
The Shipping News
 
Direção: Lasse Hallström
Produção: EUA, 2001
Com: Kevin Spacey, Julianne Moore, Judi Dench e Cate Blanchett
Quando: a partir de hoje nos cines Belas Artes, Internacional Guarulhos, Market Place Cinemark, Pátio Higienópolis e circuito



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