|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Documentos registram vigilância do regime militar sobre Gilberto Gil
A pasta do ministro
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
Três grandes obsessões mobilizaram a vigilância do aparato de
segurança do regime militar
(1964-85) sobre o compositor Gilberto Gil: mensagens políticas das
canções, comportamento sexual e
drogas. Na terça-feira, Gil, 60, disse aceitar o convite para ser ministro da Cultura do governo Luiz
Inácio Lula da Silva. O anúncio
oficial, até a conclusão desta edição, ainda não havia sido feito.
Investigação da Folha no Arquivo Público do Estado do Rio
de Janeiro garimpou documentos
das polícias políticas do Rio e de
Santa Catarina e de órgãos de inteligência do Exército e da Marinha. Tudo das décadas de 1960 e 70, a maioria com carimbo de
"confidencial" ou "secreto".
O que à época representava a
dureza da repressão sobre a vida
cultural do país hoje pode ser visto quase como peça de humor, tal
o ridículo de alguns relatórios.
Em agosto de 1967, Gil foi citado
pela 2ª Seção (Informações) do 1º
Exército. Com o título "Infiltração
no meio artístico", o informe número 419 descrevia a ação de supostos "agentes" de esquerda que
cantavam na TV Record e na Rádio Jovem Pan, em São Paulo: Gil,
Elis Regina, Nara Leão, Chico
Buarque, Edu Lobo e Geraldo
Vandré.
"A ação se desenvolve através
da chamada "música de protesto",
numa propaganda subliminar
muito bem conduzida", analisavam os militares.
Em outubro de 1971, o CIE
(Centro de Informações do Exército) alertava para o lançamento
de um LP do músico encartado
em um fascículo da editora do
"Pasquim". "Além de difundir algumas músicas inconsequentes,
possui, nos artigos de autoria de
[o jornalista] Tarso de Castro,
mensagens distorcidas, (...) a respeito de Gilberto Gil (...)." A seguir, orienta o recolhimento dos
discos distribuídos e a "proibição
da reprodução dos mesmos".
Em dezembro de 1971, o CIE pediu ao Dops (Departamento de
Ordem Política e Social) da Guanabara dados sobre a história de
Gil e suas atividades no exterior.
O Dops anotou: o baiano era
"um dos principais agentes do
grupo de cantores e compositores
de orientação filo-comunista. (...)
Em fevereiro de 1968, Gilberto Gil
divulgava nas casas de diversões
noturnas (...) uma rumba denominada "Soy Loco por ti, América". (...) Faz apologia de Che Guevara e ridiculariza governantes da
América Latina".
Em maio de 1972, um agente do
mesmo Dops, Paulo Monteiro,
mostrava frequentar certos ambientes musicais a trabalho. Pareceram-lhe tão significativos os
gestos de Gil que escreveu:
"É parceiro de outro compositor brasileiro, de nome Caetano
Veloso (...). Suas apresentações
descambam para a disassorciação
(sic) dos costumes vigentes a toda
sociedade, demonstrando em público repulsa pelos atos preconizados em lei, alardeando um liberalismo pela prática do homossexualismo, tão em volga (sic) na
Inglaterra, entre nós."
"Tanto que na apresentação de
Caetano Veloso este, em público,
fazia trejeitos, requebrava-se, deixando a desejar sua real masculinidade. Quando em dupla com
Gilberto Gil, acercava-se deste,
mordiscando-o no pescoço, como uma fêmea à procura do macho, faltando pouco para beijá-lo." O beijo, reportava o funcionário público, aconteceu em outro
show: "(...) tendo Caetano recebido das mãos de Gilberto Gil uma
rosa, dando-lhe como recompensa um beijo na boca".
O agente resumia suas impressões sobre o que fazia Gil na Europa: "Sua missão, ao que parece, é elidir o comportamento da juventude brasileira, os princípios básicos de sua formação, levando-a à devassidão, mediante incitação
de costumes e hábitos alienígenas, procurando, com isso, organizar
agrupamentos de ociosos, carcomidos pelo uso de tóxicos (...)."
Numerosos textos associam Gilberto Gil às drogas, num procedimento recorrente da ditadura militar: ligar o consumo delas à
oposição ao regime. Em 1976, arapongas do Rio e de Santa Catarina
espionaram um vôo fretado pela
casa de shows Canecão. Uma decisão judicial permitira que Gil se
ausentasse do tratamento "psiquiátrico" em Florianópolis imposto pela Justiça após sua prisão por alegado porte de maconha.
Despacho posterior cancelou a licença. Gil fora preso no final dos
anos 60 por motivos políticos.
Nos 70, por causa de drogas. No
hospício, compôs "Sandra". A
primeira prisão já o inspirara para
outro clássico, "Aquele Abraço".
Texto Anterior: Música: Karnak chega ao fim com 2 shows em SP Próximo Texto: Música/lançamento - "Scarlet's Walk": Tori Amos encara a estrada e visita paisagens sentimentais Índice
|