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"A LUTA SECRETA DE MARIA DA ENCARNAÇÃO"
Confuso, Brasil precisa de Guarnieri
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Antes de tudo, é preciso dizer que há muito tempo
Gianfrancesco Guarnieri merece
uma produção tão bem amparada quanto essa. São 38 atores, 30
músicos e 26 técnicos, bancados
pelo Instituto Takano, que vem
realizando um desinteressado e
fecundo investimento cultural.
A saga de Maria, encarnação do
povo brasileiro, conta com atores
que sabem conciliar o naturalismo da interpretação a um canto
afinado, sendo emblemáticas as
extraordinárias atuações de Suely
Franco e Vanessa Gerbelli, que
unem o vigor de uma geração às
melhores esperanças da geração
seguinte. O programa primoroso,
cartão de visitas do que há de histórico na montagem, é item obrigatório de bibliotecas.
Estabelecida a importância da
presente temporada poder contar
com um inédito de Gianfrancesco
Guarnieri, seria menosprezo no
entanto tratá-lo com condescendência. A montagem comove a
platéia, mas apresenta dois erros
estratégicos claros.
Primeiro, propõe-se a combater
a Broadway com seus próprios
meios, querendo afirmar assim a
excelência do musical "nosso",
que dispensaria as recentes importações. Ressalta assim, solicitando a comparação, a precariedade da sua maquinaria cênica e
as entradas forçadas das canções:
enquanto é estuprada, Maria canta uma canção de amor, e dançarinos são trazidos aos pares por
alçapões.
Se o que se pretende é um lirismo ingênuo, acaba soando como
uma paródia, voluntária ou não,
em todo caso reverente ao decadente modelo que se quer devorar, como a Atlântida para Hollywood. De forma análoga, a música de Renato Teixeira, mesmo
embasada no conhecimento das
raízes populares, paga um tributo
alto ao Edu Lobo do Arena.
Segundo, o texto acaba explicitando nas falas o que a montagem
deveria mostrar em ações, deixando pouco para o espectador. A
trama é um longo feedback e
acerta ao misturar passado e presente, com Marias de épocas diferentes convivendo e lembranças
concretizadas em fantasmas. Mas
parece se arrepender da ousadia
sobretudo quando cataloga imediatamente os bons e os maus.
Um personagem ambíguo como o Agenor de Ênio Gonçalves
só vem à cena para discutir o passado, o que o torna desnecessário
para a trama; um pouco mais redondo, o Caieiras dá mais espaço
para o trabalho de Ewerton de
Castro, mas acaba sucumbindo à
função de vilão de melodrama.
Maria, ameaçada de cair na
prostituição, redime-se virando
professora, ao receber das crianças uma pasta com a inscrição
"professores do Brasil", o que beira a propaganda institucional.
O maniqueísmo é inimigo do
didático. A Mãe Coragem e o Galileu de Brecht mostram claramente isso. Que seja dito sem ironia: os humilhados por uma repressão sanguinária seguem humilhados, enquanto os que se beneficiaram com ela seguem impunes e no poder.
A novidade é que professores,
parte da maioria que tenta manter
a dignidade, são insultados por
um presidente ex-resistente e ex-professor. Hoje mais confuso, o
Brasil é um país infeliz que precisa
de Guarnieri. Resgatado em boa
hora, ele deve agora superar velhas estratégias.
A Luta Secreta de Maria da
Encarnação
Autor: Gianfrancesco Guarnieri
Direção: Marcus Vinícius Faustini
Onde: teatro Carlos Gomes (pça.
Tiradentes, s/nš, centro, Rio de Janeiro,
tel. 0/xx/21/ 2232-8701)
Quando: de ter. a qui., às 19h; até hoje
Quanto: R$ 10
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