São Paulo, quinta-feira, 21 de fevereiro de 2002

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GASTRONOMIA

VINICULTURA

Em entrevista, produtor italiano critica os vinhos de seu país

Brasil degusta frutos da "revolução" toscana

JORGE CARRARA
COLUNISTA DA FOLHA

Integrante da 25ª geração de uma família que se dedica à produção vinícola na Itália desde o ano 1385, Piero Antinori, 63, é, talvez, um dos membros que alcançaram maior notoriedade.
No comando da Antinori desde 1966, quando seu pai, Niccoló, se retirou, Piero começou a transformação técnica da firma localizada na Toscana, no coração do país. As mudanças incluíram tanques de inox, a introdução de novas variedades de uvas, diminuição da produtividade dos vinhedos para conseguir vinhos mais concentrados e uso de pequenas barricas de carvalho, ao estilo de Bordeaux (França).
Antinori foi um dos pioneiros na indústria vitivinícola toscana (e italiana) no uso dessas técnicas. No início da década de 70, descortinou o Tignanello (um sangiovese) e um pouco depois o Solaia, um cabernet -atual carro-chefe da casa-, dois dos primeiros tintos chamados de supertoscanos, mais modernos, frutados, concentrados e estruturados e que motivaram o início de uma revolução na indústria da bota.
Piero está no Brasil, onde acompanha degustações de algumas safras de seus vinhos. Em seguida, com a filha Allesia, vão a Chile e Argentina. Leia a seguir a entrevista que Piero Antinori concedeu à Folha.

O NASCIMENTO DO TIGNANELLO: "Tignanello é o nome de um vinhedo que meu pai plantou nos anos 20 com uvas sangiovese e cabernet sauvignon. Os resultados obtidos na época foram muito bons. Na década de 60, os vinhos do chianti clássico [denominação de origem da Toscana onde a firma tem suas principais propriedades" estavam perdendo a sua reputação, caindo em qualidade, em preço, em tudo.
Foi uma situação muito ruim e preocupante, o que me animou a fazer algo. Era uma questão de sobrevivência. Concentrei-me, portanto, no melhor vinhedo que tínhamos, experimentando caminhos para melhorar a qualidade.
A primeira safra do Tignanello foi a de 71, e devo dizer que o sucesso que esse vinho teve -e que era muito mais caro que o resto dos chiantis clássicos produzidos na época- não somente no exterior, mas especialmente na Toscana e em Florença foi realmente o que mais nos encorajou. Pensar que esse público acostumado ao velho estilo [dos chiantis" reagiu positivamente a esse novo conceito de vinho mostrou que estávamos na direção certa.
O melhor foi ver que outros produtores, bons produtores, começaram a elaborar vinhos do mesmo tipo; foi o começo do que chamo de "a revolução dos vinhos italianos", que depois se estendeu fora da Toscana".

SOLAIA: "O primeiro ano do Solaia foi 78 e a razão pela qual o produzimos foi que tínhamos plantado cabernet em Tignanello. Naquele ano, pela primeira vez, sobrou cabernet que não quisemos usar para o Tignanello [a uva entra em pequena proporção no corte do vinho", já que era demasiado. Decidimos vinificá-lo em separado, o que resultou em apenas alguns milhares de garrafas. Novamente os resultados foram promissores, por isso decidimos continuar produzindo".

OS MAIS DUROS CONCORRENTES: "Penso que são os vinhos do Novo Mundo. Eles [os produtores" têm mostrado que podem produzir vinhos de alta qualidade, são muito agressivos no seu marketing. Enquanto no Velho Mundo, na Europa, a produção é muito fragmentada e há produtores muito pequenos, no Novo Mundo acontece o oposto, há produtores muito grandes, poderosos. Eles podem promover, gastar dinheiro.
Portanto, fora da Itália, penso que os nossos mais fortes competidores são os produtores do Novo Mundo. Diria que, em termos de alta qualidade, Califórnia e Austrália, mas não somente eles; há também produtores na América do Sul que estão começando a fazer grandes coisas.
Mas penso que concorrência é sempre uma boa coisa, já que estimula os produtores a elaborar vinhos cada vez melhores".

A VITIVINICULTURA ITALIANA: "Na Itália temos ainda um longo caminho a percorrer, no sentido de que a produção total anual [de vinho no país" é de 50 milhões de hectolitros e o percentual de vinho de qualidade elaborado é muito pequeno, eu diria de aproximadamente 30% do total. O resto é ainda de vinho barato e inferior que hoje não tem mercado e nenhuma possibilidade de se transformar em um bom negócio para alguém.
Não penso que isso seja por falta de condições do nosso solo ou clima, mas pela mentalidade dos produtores, pelas variedades de uvas que são cultivadas e outros fatores que podem ser mudados. O maior desafio que a Itália tem hoje é reduzir esses 70% de vinhos baratos. Talvez 70% de vinhos de qualidade e 30% de vinhos baratos".

O BRASIL: "Na minha opinião o Brasil é um dos mercados com maior potencial para crescer. A última vez em que estive no país foi há 25 anos, e muita gente não sabia nem sequer o que era vinho naquela época. Agora vejo um interesse crescente pelo vinho, mas ainda há muito espaço para crescer. Temos observado um bom crescimento [no Brasil" nos últimos quatro ou cinco anos e não vejo por que não continuar com a mesma tendência".

NOVAS FRONTEIRAS: "Gostaria de poder realizar alguma coisa no hemisfério Sul e, quando penso nisso, penso certamente mais na América do Sul do que na Austrália ou África do Sul, por razões culturais. Seria mais natural para nós. Mas estamos tão ocupados na Itália que não temos tido tempo para novos projetos. Mas certamente, para mim, é uma espécie de sonho que tenho e que, espero, um dia se torne realidade".


Os vinhos Antinori são importados pela Expand, tel. 0/xx/11/4613-3333



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