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CINEMA/ESTRÉIA
"AS CONFISSÕES DE SCHMIDT"
Para Louis Begley, autor do livro em que se baseia filme de Alexander Payne, versão é sensível
Schmidt nas telas virou jóia original
Reuters
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Jack Nicholson, protagonista de "As Confissões de Schmidt", baseado em livro de Louis Begley |
LOUIS BEGLEY
ESPECIAL PARA O "NEW YORK TIMES"
O filme "As Confissões de
Schmidt", dirigido por Alexander Payne, é baseado no meu
livro homônimo. Como já é sabido, o roteiro, de autoria de Payne
e Jim Taylor, conta uma história
bastante diferente da que escrevi.
Eles obrigaram meu Albert
Schmidt, um advogado chique de
Nova York, a deixar sua casa em
Bridgehampton, Long Island, e
mudar-se para Omaha, lugar em
que ele, certamente, não teria colocado os pés. Lá ele passou por
uma metamorfose e virou o atuário Warren Schmidt, que, depois
de 30 anos trabalhando numa
empresa de seguros de vida, não
conseguiu grande êxito.
Depois que Payne e Taylor -temendo que eu pudesse repudiar
as modificações- me fizeram assistir ao filme, eu lhes disse que teria orgulho de ter escrito o livro
deles.
Dizem que sou um sujeito mal-humorado e resmungão. Por que,
então, minha reação foi tão benévola? Será que eu não teria preferido que "Sobre Schmidt", meu primeiro livro a virar filme, tivesse tido uma versão cinematográfica
mais fiel? A resposta à primeira
pergunta é fácil. Apesar das alterações radicais impostas à trama,
meus temas mais importantes foram tratados com inteligência e
sensibilidade. Eles são a pavorosa
solidão de Schmidt, que, acredito,
dura sua vida inteira; a compreensão de que é possível estragar um relacionamento que importa mais do que qualquer outra
coisa para nós -no caso, o relacionamento de Schmidt com sua
filha- e a maneira como nosso
preconceito contra o outro nos
aprisiona.
Senti falta, por exemplo, do tema do poder redentor e regenerador do Eros, encarnado, em meu
romance, por Carrie, a personagem de quem mais gosto -uma
garçonete bela e aventureira com
pouco mais de 20 anos de idade.
A resposta à segunda pergunta é
fácil também. Admiro Jack Nicholson há tempo demais para
poder pedir mais do que vê-lo recriar meu Schmidt na tela grande.
Na verdade, quando Michael Besman, co-produtor de "Schmidt",
o filme, estava negociando o direito de transpor meu livro para o cinema, virei massinha flexível em
suas mãos assim que ele disse que
queria Nicholson para o papel
principal. Tivesse ele conseguido
enxergar dentro de meu coração,
teria percebido que, para que eu
lhe concedesse os direitos de graça, bastaria ele dizer que Nicholson já tinha praticamente aceito o
convite. E acabou conseguindo
um preço muito baixo, pelo fato
de expressar essa esperança.
A outra e mais complexa resposta à segunda pergunta diz respeito às diferenças fundamentais
entre duas mídias artísticas: a literatura romanesca e o cinema.
Numa dessas coincidências estranhas que assombram os escritores de ficção, em meu novo romance, "Shipwreck", o protagonista tenta criar um roteiro a partir do livro "Daniel Deronda", de
George Eliot, obra que ele e eu
achamos que praticamente implora para virar filme. Mas, possivelmente pelo fato de ser escritor
de romances, ele acha a tarefa difícil, e não apenas em função da necessidade de simplificar.
Meus romances são carregados
de ironia, e meus personagens são
atormentados por dúvidas quanto a sua própria identidade, suas
motivações. Eu recorro com frequência ao diálogo interno.
Teriam Alexander Payne e Jim
Taylor, por brilhantes que são, feito um trabalho igualmente bom
se tivessem escrito uma adaptação fiel ao meu livro? Sendo fã deles, naturalmente tenho vontade
de dizer que teriam. E estou certo
de que Jack Nicholson teria se encaixado perfeitamente como o Albert Schmidt de Bridgehampton.
Mas, enquanto eu assistia a "As
Confissões de Schmidt" com crescente admiração, tive consciência
dos perigos. Todos nós já assistimos a adaptações fiéis de livros
que amamos e rangemos os dentes porque as versões para o cinema de alguma maneira deixaram
escapar o principal e distorceram
ou vulgarizaram o livro. O desconforto do autor deve ser infinitamente maior.
Acabei concluindo que pode ter
sido melhor para mim e para "Sobre Schmidt", o livro, que Payne
tenha feito uso livre daquilo que
captou de minha obra, somado a
suas obsessões sobre Omaha, para criar sua história de "um sujeito comum", obra que é uma jóia
cinematográfica original.
Louis Begley é autor de "Sobre
Schmidt" (Companhia das Letras)
Tradução Clara Allain
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