São Paulo, sábado, 21 de março de 2009

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RODAPÉ LITERÁRIO

Depois da festa


O poeta Eudoro Augusto ressurge em livro que mostra ressaca das utopias em tom menor dos anos 70


MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

COM DOIS conjuntos de poemas reunidos num único volume, "Um Estrago no Paraíso" completa a trilogia iniciada por Eudoro Augusto em "Olhos de Bandido", de 2001.
Nascido em Lisboa, radicado em Brasília, Augusto publicou um de seus primeiros livros, "Dia Sim Dia Não" (1978), em parceria com Francisco Alvim (incluído em "Poemas, 1968-2000", de Alvim). Por conta disso, seu trabalho sempre esteve associado à chamada "geração marginal", denominação meio vaga para escritores que nos anos 70 publicavam edições independentes (caso também de "Um Estrago no Paraíso"), à margem do mercado editorial -mas também na contramão do cerebralismo das tendências experimentais então em voga.
Contemporâneo do "desbunde" tropicalista e dessa busca de um lirismo mais próximo ao dia-a-dia, Augusto foi um dos responsáveis pelo resgate do poema-piada modernista: "meu coração rasurado/ minha cesta de papel picado", escreve nos dois únicos versos de "História da Literatura", que abre "Dia Sim Dia Não" parodiando as pretensões utópicas das vanguardas.
A própria "geração marginal", contudo, não deixou de ser uma utopia em tom menor, a celebração urgente do fluxo vital que se esgueirava entre a cultura de massa e os projetos modernizantes do regime militar. E isso é fundamental para compreender "Um Estrago no Paraíso", de onde Augusto olha pelo retrovisor com nostalgia perplexa. Em "Carta Selvagem", primeiro livro contido nesse livro, o acento desencantado de "O Viajante" dá a cifra na imagem do homem que arruma as malas "nas horas caladas em que o desejo de partir/ tem mais força e mais verdade/ do que o conforto de ficar".
E o título de outro poema, "Depois da Festa", define essa ressaca de um hedonismo fracassado, essa impossibilidade de encontrar um lugar hospitaleiro -ou de superar a melancolia pelo recolhimento lírico: "A caminho da cozinha/ imagino o sublime", escreve em "La Giornata Balorda", para em seguida deixar-se "afogar lentamente/ abandonado à muda maré/ da vida real".
A falta de algo a celebrar (ou a celebração da falta) parece redundar em versos mais concentrados na própria fatura, com rimas internas e lampejos de metrificação ("A viagem travada./ Uma janela cavada na treva."; "Vento que anula o velame/ deste veleiro à deriva").
Em "Clarabóia", segundo conjunto de poemas, a vida como ela é ressurge, como na divertida paródia "Nelson Rodrigues" ou no arejamento de "As Musas Irreais" e "Paixão" -mas o tom geral é o de quem sobrevive nesse paraíso estragado: "Só mais um./ Só mais um poema./ Mais um leve aceno para o abismo".



UM ESTRAGO NO PARAÍSO
Autor: Eudoro Augusto
Editora: Edições do Sudoeste
Quanto: R$ 20 (164 págs; pode ser encomendado na livraria da UnB, tel. 0/xx/61/3307-3254) Avaliação: ótimo



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