Livro de estreia de Charlotte Roche aborda garota fanática por odores do corpo e já vendeu 1 milhão de exemplares

NINA LEMOS
COLUNISTA DA FOLHA

Em tempos de obsessão por cremes e toda ditadura da cosmética, Helen Hamel é uma garota de 18 anos fanática por odores e pelas "sujeiras" de seu próprio corpo. Usa sua secreção vaginal como perfume (passa com cuidado atrás da orelha) e tem uma técnica sofisticada de degustar meleca. Parece nojento. Mas é mais que isso.
Helen, a personagem central -e única- do livro de estreia de Charlotte Roche, inglesa radicada na Alemanha, é o antídoto e perfeito contrário de personagens de "chick lit" (literatura para mulherzinhas) adolescente, como as americanas de "Gossip Girl". E, se não vende livro como as contemporâneas ricas de Nova York, tem apelo suficiente para best-seller -"Zonas Úmidas" já vendeu 1 milhão de exemplares e virou mania na Europa.
Na Europa do hospital alemão onde Helen narra sua história, que fique claro. Porque esse não é um best-seller fofo. Nada é bonitinho na vida dessa menina que trabalha em supermercado e vem de uma família desestruturada (com histórias pesadas, além do "meu pai casou com uma mulher mais nova" de "Gossip Girl"). Seu primeiro conflito é ser vítima (literalmente) da obsessão cosmética que condena. O livro começa com a menina provocando, sem querer, um machucado, ao depilar o ânus "porque como eu também uso a bunda para transar, ela também sofre da obsessão moderna contra os pelos, assim como a minha xoxota, minhas pernas, minhas axilas, meu buço, ambos os dedões e o peito do pé também. Não passo a lâmina no buço, é claro... As moças deveriam evitar a depilação. Eu era muito feliz com meus pelos no passado, mas, depois que comecei com essa bobagem, não consigo mais parar". Helen passa o resto do livro se recuperando de uma cirurgia de hemorróidas em um hospital.

Perversões sexuais
E, sim, a autora consegue segurar o leitor por mais de 200 páginas só com os pensamentos de Helen, que variam entre lembranças de suas perversões sexuais com homens mais velhos ao desejo infantil de tentar reunir os pais divorciados.
Charlotte não escreve só para chocar. Senão, o livro não teria fôlego. Os pensamentos malucos de Helen deitada e entediada numa cama de hospital têm humor negro e anárquico. A menina, com suas loucuras todas, no fim das contas, se parece muito mais com uma garota "normal" do que as loiras plastificadas de "Gossip Girl".
Ela segue as modas meio sem querer, pensa sem parar e se apaixona não por um príncipe encantado, mas por um enfermeiro (existe coisa mais real e menos glamourosa?). E, como toda pessoa de verdade, principalmente as de 18 anos, ela sofre, se machuca. E levanta.