São Paulo, sexta, 21 de março de 1997.

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`Caindo no Ridículo' satiriza hipocrisia social

JOSÉ GERALDO COUTO
especial para a Folha

``Caindo no Ridículo'', grande produção francesa indicada ao Oscar de filme estrangeiro, é um misto de drama e comédia ambientado em Versalhes em 1780, um lugar mais ou menos como Brasília hoje: centenas de parasitas esvoaçando em torno do rei e engalfinhando-se por uma migalha de seus favores.
No ocaso do Antigo Regime, nobres dos mais variados escalões encenavam na corte de Luís 16 um jogo de aparências, onde a maior desgraça possível era cair no ridículo, e a arma contra este era a presença de espírito.
Para não perder o requebrado, era necessário ter na ponta da língua uma piada, um jogo de palavras, um ``mot désprit'' que desconcertasse o interlocutor e tornasse cúmplice o ouvinte.
Nesse ninho de cobras vai parar Gregoire Ponceludon (Charles Berling), um jovem nobre de província, de família decaída, com um objetivo igualmente nobre: conseguir o apoio do rei para a drenagem dos pântanos de sua região, cujas águas insalubres têm dizimado famílias camponesas.
Ponceludon é o oposto do ambiente obscurantista e decadente da corte: homem das Luzes, é engenheiro e admirador de Voltaire.
Esse conflito entre o personagem e o meio poderia ter gerado um grande drama ou uma grande comédia, mas não é o que acontece.
A despeito da aparência de crítica ao ambiente malsão da corte, o filme de Patrice Leconte (diretor de ``O Marido da Cabeleireira'') de certo modo sucumbe ao fascínio diante daquela frescura toda.
À falta de uma linha dramática definida, esboça (e deixa a meio caminho) uma porção de subtemas interessantes: a hipocrisia social como método, o confronto entre razão e convenção, as diferenças entre o ``humour'' inglês e o ``sprit'' francês, a incipiente liberação da mulher setecentista via conhecimento científico etc.
Nessa rede de fios, Leconte acabou optando pelo mais seguro e convencional como condutor de seu filme: o dilema do protagonista entre o amor de duas mulheres.
Uma delas (Judith Godreche) é quase uma alma gêmea sua: moça instruída, liberada e idealista, quer usar a ciência para melhorar o mundo. A outra (Fanny Ardant) é todo o oposto: condessa lasciva e corrompida, usa sua influência junto ao rei para seduzir os homens que lhe interessam.
Todo o conflito do filme se reduz a essa opção. Se Ponceludon for fiel a seu verdadeiro amor, perderá a chance de pedir ao rei que ajude seus camponeses. O amor ou a missão? Oh, dúvida cruel.
O clichê romântico se agrava aqui com um erro primário de ``casting''. Fazer amor com a condessa é apresentado no filme como um sacrifício por uma boa causa. E, convenhamos, ir para a cama com Fanny Ardant não chega a ser nenhum sacrifício.
De todo modo, os franceses gostaram de mais esse exemplo de seu ``cinema de qualidade'': o filme foi o grande vencedor do César e estourou na bilheteria.

Filme: Caindo no Ridículo (Ridicule) Produção: França, 1996 Direção: Patrice Leconte Elenco: Fanny Ardant, Charles Berling, Onde: Belas Artes (sala Carmen Miranda)
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