São Paulo, sábado, 21 de março de 1998

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RESENHA
A redenção pelo jornalismo "público"

MARIO VITOR SANTOS
da Reportagem Local

Em janeiro passado, o papa visitava Cuba pela primeira vez. A imprensa norte-americana montava acampamento em Havana. As notícias do suposto caso sexual entre Monica Lewinsky e o presidente Bill Clinton foram o sinal para que os âncoras das grandes redes de TV desmontassem as barracas e decolassem para Washington, trazendo um rastro de repórteres dos grandes jornais e revistas.
Quais os critérios que orientaram a decisão sobre que notícia era a mais relevante para o público? Qual a repercussão que esse tipo de decisão tem sobre a credibilidade dos veículos?
"Detonando a Notícia: Como a Mídia Corrói a Democracia Americana", do jornalista James Fallows, foi lançado nos EUA em 96, e, portanto, não aborda diretamente a disputa de "appeal" entre as duplas Clinton-Lewinsky e papa-Fidel. Examina decisões semelhantes e suas repercussões para a imagem da "indústria", como se diz nos EUA.
De acordo com Fallows, colunista da revista "The Atlantic Monthly", o jornalismo está atacado pelo negativismo e a sede de escândalo. Encontra-se sob a ação de um grupo de estrelas que, quanto mais importantes, mais são forçadas a abrir mão da "essência do verdadeiro jornalismo".
Sua atividade pode corroer a saúde do sistema político, que se vê obrigado a agir segundo critérios impostos pelos meios de comunicação, cuja ação, cada vez mais alheia aos interesses reais do público, molda a agenda governamental.
Segundo Fallows, o negativismo da imprensa desgasta o interesse pela cidadania e, em última instância, prejudica o próprio jornalismo: "Quanto menos se interessarem pela vida pública da nação, menos os americanos se interessarão por qualquer forma de jornalismo", diz ele.
Um exemplo dessa atitude seriam as coberturas eleitorais. Fallows identifica uma tendência a se priorizar o sobe-desce das campanhas, as estratégias dos assessores de marketing, em detrimento do debate de temas relevantes.
Assim, toda questão pública, qualquer decisão tomada ou posição assumida é analisada prioritariamente sob o efeito que poderá ter sobre o perde-ganha do jogo político. O autor mostra-se nostálgico quanto a um modelo de jornalista, idealista e ligado à comunidade, em oposição ao de hoje, em que o sucesso jornalístico se confundiria com fama e fortuna. Nessa situação, advogar os interesses da elite é tão fácil que dificilmente parece predisposição.
O livro parte de um diagnóstico crítico para defender uma proposta moralizadora, que tem cada vez mais adeptos. A saída para a degradação dos padrões jornalísticos estaria no jornalismo "público", destinado a estar "junto da comunidade": em que os repórteres deveriam tomar partido e encorajar a participação política para a solução de seus problemas.
Tal jornalismo teria um viés menos pessimista, em que as distinções entre governo e cidadania tenderiam a ser menos marcadas. Esse jornalismo assumiria, afinal, que neutralidade não existe. Sob a bandeira do engajamento construtivo, estaria aberta a via para a sorridente adesão ao status quo.
Lançado agora pela Civilização Brasileira, o livro tem falhas de conteúdo, tradução e português. Informa-se que o Brasil tem uma população vinte vezes (e não quatro) maior do que a Argentina. A palavra "downtown" é traduzida como "cidade baixa". O verbo tachar, de pôr defeito, vem como "taxar" (aplicar taxa). Em lugar de estar em xeque na questão vietnamita, o tradutor escreve que Clinton está "em cheque" -que, além de errado, poderia ser uma ofensa.


Livro: Detonando a Notícia: Como a Mídia Corrói a Democracia Americana
Autor: James Fallows
Lançamento: Civilização Brasileira
Preço: R$ 35 (352
págs)



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