São Paulo, sexta-feira, 21 de abril de 2006

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CRÍTICA/"ESTRELA SOLITÁRIA"

Novo longa de Wenders fica a um deserto de distância de "Paris, Texas"

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Em "Estrela Solitária", Wim Wenders retoma o universo de "Paris, Texas", que há 22 anos lhe deu a Palma de Ouro no Festival de Cannes e firmou seu reconhecimento no time dos "grandes diretores". Temos, de novo, a seca paisagem do interior americano, palco dos mitológicos faroestes, como cenário para a história de um homem em crise tentando acertar os ponteiros com o passado. Temos, ainda, o texto de Sam Shepard, dramaturgo que escreveu "Paris, Texas" e só não interpretou o personagem principal porque não quis, apesar da insistência do diretor.
Shepard, aqui, concordou em emprestar seu rosto à própria criatura, Howard Spencer, lendário ator-caubói, freqüentador do noticiário sensacionalista graças a seu comportamento escandaloso. Spencer abandona o set de seu mais recente faroeste e parte em uma jornada que vai levá-lo à porta de sua mãe (Eva Marie-Saint, em participação especialíssima) e, depois, à porta do filho que nunca conheceu (Gabriel Mann), fruto de um breve relacionamento com uma garçonete (Jessica Lange). Ao mesmo tempo, cruza seu caminho uma jovem misteriosa (Sarah Polley), também sua filha.
É radical, porém, a diferença entre "Paris, Texas" e "Estrela Solitária" -um abismo que se nota tanto nos elementos narrativos como no tratamento dado à imagem. Os dois filmes abrem com um exuberante plano-seqüência no deserto americano. Mas, agora, a exuberância reproduz o que seria o início épico de um faroeste, filme-dentro-do-filme. Salta aos olhos o anacronismo: os faroestes já não são assim exuberantes, mas crepusculares, e seus heróis estão longe de carregar a mesma firmeza. O inegável talento de Wenders para enquadrar e movimentar a câmera parece agora um tanto engessado, preso ao que seria um suposto "estilo Wim Wenders".
O próprio Howard Spencer é um personagem frágil em sua existência, sem concretude (não é Clint Eastwood, certamente) e que tampouco se desenha como uma figura imaginária interessante. No fim das contas, trata-se não só de um homem em crise existencial, mas, sobretudo, do personagem-sintoma de um filme em crise, que não sabe exatamente o que quer dizer.
A angústia seca de "Paris, Texas" se dilui em um drama convencional de um ajuste de contas com o passado e de amores desperdiçados entre Spencer e a garçonete, Spencer e seus filhos, e entre os irmãos tardios, filhos do mesmo pai que nunca se conheceram, agora solidários na superação de ressentimentos. O contraste maior, talvez, se faça ver entre a fotografia arriscada de Robby Muller em "Paris, Texas" e a imagem definida e confiante em si mesma de Franz Lustig. Um deserto de distância.


Estrela Solitária
Don't Come Knocking
  
Direção: Wim Wenders
Produção: EUA/Alemanha, 2005
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco, Sala UOL e circuito


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