São Paulo, sexta-feira, 21 de maio de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

63º FESTIVAL DE CANNES

Filme para TV infla debate no evento

"Carlos", de Olivier Assayas, foi bem recebido pela crítica, mas atacado por ter sido feito originalmente para tela pequena

Longa não concorre à Palma de Ouro; diretor argumenta que televisão lhe deu condições para filmar produção ambiciosa


ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES

Olivier Assayas, diretor de feições delicadas e filmes sofisticados, como "Alice e Martin" e "Horas de Verão", fez a Croisette tremer. Não de medo do personagem, o terrorista Carlos, o Chacal. Mas de irritação. Parte do meio cultural francês e o conselho de administração do festival veem em "Carlos", seu novo trabalho, uma afronta à pureza do cinema.
Como poderia Cannes, um refúgio da cinefilia, dar abrigo a uma produção feita originalmente para a TV? O filme, com 5h20 de duração, foi exibido no Palais. E recebeu entusiasmados elogios. Mas não tem chances de levar a Palma por um simples motivo: passou fora de competição.
"Sua escolha para a competição abriria um precedente que pode levar ao desequilíbrio do sistema de produção do cinema", explica o diretor do festival, Gilles Jacob.
Assayas não se conforma com a exclusão. Sob argumento de que sua maneira de filmar não muda conforme quem o financia, diz sentir-se vítima de um debate arcaico. "E se meu filme tivesse sido financiado pela máfia? Teria sido aceito?" "Carlos", uma ficção construída a partir das aventuras midiáticas de Ilich Ramírez Sánchez, o Chacal, foi produzido pelo Canal + e formatado como uma série.
"Quando a França consegue fazer uma série no modelo dos americanos, que poderá ser vendida para o mundo, criam essa confusão. É frustrante", diz o produtor Daniel Leconte.
Os donos de salas de cinema e alguns produtores argumentam, por outro lado, que o tapete estendido em Cannes teria simbolizado o fim da resistência do cinema ao poderio da TV. Para que se compreenda os ânimos acirrados é importante dizer que, na França, onde o cinema é historicamente financiado pelo Estado, as TVs, cada vez mais, têm participado da produção de filmes.
E, como no Brasil, no caso da GloboFilmes, alguns títulos exportam, para a tela grande, tiques da linguagem televisiva. Mas, com "Carlos", ocorreu o oposto. Assayas correu para a TV porque, no cinema, não conseguiria levar a cabo uma produção tão ambiciosa. "Procuro zonas de liberdade. A TV me deu uma liberdade que o cinema não teria me dado", diz.
Ele se refere, também, à chance de trabalhar com atores estrangeiros e rodar cenas em várias línguas. No cinema, para ter ajuda pública, um filme deve ter elenco e língua nacionais. "Tive carta branca para fazer um filme de mais de cinco horas. Quando isso aconteceria no cinema?", pergunta Assayas, certo de que ninguém poderá contradizê-lo.

Leia a cobertura diária do Festival de Cannes

www.folha.com.br/101304



Texto Anterior: Cinema/Estreias/Crítica/"Fúria de Titãs": 3D transforma ação ruim em pesadelo torturante
Próximo Texto: Diretor destoa com cacoete hollywoodiano
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.