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63º FESTIVAL DE CANNES
Filme para TV infla debate no evento
"Carlos", de Olivier Assayas, foi bem recebido pela crítica, mas atacado por ter sido feito originalmente para tela pequena
Longa não concorre à Palma de Ouro; diretor argumenta que televisão lhe deu condições para filmar produção ambiciosa
ANA PAULA SOUSA
ENVIADA ESPECIAL A CANNES
Olivier Assayas, diretor de
feições delicadas e filmes sofisticados, como "Alice e Martin"
e "Horas de Verão", fez a Croisette tremer. Não de medo do
personagem, o terrorista Carlos, o Chacal. Mas de irritação.
Parte do meio cultural francês e o conselho de administração do festival veem em "Carlos", seu novo trabalho, uma
afronta à pureza do cinema.
Como poderia Cannes, um
refúgio da cinefilia, dar abrigo a
uma produção feita originalmente para a TV?
O filme, com 5h20 de duração, foi exibido no Palais. E recebeu entusiasmados elogios.
Mas não tem chances de levar a
Palma por um simples motivo:
passou fora de competição.
"Sua escolha para a competição abriria um precedente que
pode levar ao desequilíbrio do
sistema de produção do cinema", explica o diretor do festival, Gilles Jacob.
Assayas não se conforma
com a exclusão. Sob argumento
de que sua maneira de filmar
não muda conforme quem o financia, diz sentir-se vítima de
um debate arcaico. "E se meu
filme tivesse sido financiado
pela máfia? Teria sido aceito?"
"Carlos", uma ficção construída a partir das aventuras
midiáticas de Ilich Ramírez
Sánchez, o Chacal, foi produzido pelo Canal + e formatado como uma série.
"Quando a França consegue
fazer uma série no modelo dos
americanos, que poderá ser
vendida para o mundo, criam
essa confusão. É frustrante",
diz o produtor Daniel Leconte.
Os donos de salas de cinema
e alguns produtores argumentam, por outro lado, que o tapete estendido em Cannes teria
simbolizado o fim da resistência do cinema ao poderio da TV.
Para que se compreenda os
ânimos acirrados é importante
dizer que, na França, onde o cinema é historicamente financiado pelo Estado, as TVs, cada
vez mais, têm participado da
produção de filmes.
E, como no Brasil, no caso da
GloboFilmes, alguns títulos exportam, para a tela grande, tiques da linguagem televisiva.
Mas, com "Carlos", ocorreu o
oposto. Assayas correu para a
TV porque, no cinema, não
conseguiria levar a cabo uma
produção tão ambiciosa. "Procuro zonas de liberdade. A TV
me deu uma liberdade que o cinema não teria me dado", diz.
Ele se refere, também, à
chance de trabalhar com atores
estrangeiros e rodar cenas em
várias línguas. No cinema, para
ter ajuda pública, um filme deve ter elenco e língua nacionais.
"Tive carta branca para fazer
um filme de mais de cinco horas. Quando isso aconteceria no
cinema?", pergunta Assayas,
certo de que ninguém poderá
contradizê-lo.
Leia a cobertura diária do
Festival de Cannes
www.folha.com.br/101304
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