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ANÁLISE
Onde foi parar a autenticidade?
MALCOLM McLAREN
ESPECIAL PARA O "GUARDIAN"
Há 25 anos, trabalhadores da fábrica de discos da CBS na Inglaterra resgataram alguns discos contrabandeados que seriam derretidos, escondendo-os em
seus casacos. Eram cópias do novo single do Sex Pistols, "God Save the Queen". Uma semana depois de assinar com o Sex Pistols, a A&M tinha rescindido o contrato e tentado destruir todos os discos existentes. Meu escritório começou a receber telefonemas de pessoas oferecendo cópias ilegais de "God Save the Queen" a um preço exorbitante de 20 libras cada uma. Relutei um pouco, mas
acabei por comprar várias caixas.
Semanas mais tarde, assinei o
contrato do grupo com o selo Virgin, de Richard Branson. Os funcionários da Virgin ficaram tão
instigados que queriam conspirar
comigo para criar uma comemoração alternativa ao jubileu de
prata da rainha Elizabeth, contratando um barco nosso para seguir
a frota de embarcações dela na
descida do rio Tâmisa.
O Sex Pistols foi proibido de tocar em terra, e as rádios proibidas
de tocar "God Save the Queen".
Só restava um lugar: a água. Uma
das lembranças mais delirantes
que tenho é a de multidões de
punks lotando as pontes de Londres, pendurados nos postes de
luz, gritando, atirando garrafas,
ao som da canção que se espalhava sobre o Tâmisa: "God save the
Queen/she ain't no human being/
she made/ you a moron/ a potential H-bomb/ God save the
Queen/ we mean it maaan!".
Enfrentamos a polícia fluvial. O
barco foi conduzido de volta a
Charing Cross, escoltado por ela.
Eu estava entre as muitas pessoas
presas quando desembarcamos.
Passamos a noite na cadeia. Não
sei bem por que, mas não chegamos a ver Richard Branson. Ele
simplesmente desapareceu. Diante do juiz, senti que algo no ar havia mudado. Ele me fez sentir que
eu era um criminoso e implorar
por perdão e, ademais, disse que,
se eu alguma vez na vida voltasse
a aparecer diante dele por um delito semelhante, não hesitaria um
instante sequer em me enviar a
uma das prisões de Sua Majestade, onde eu cumpriria sentença
de não menos de três meses.
No mesmo dia fatídico conhecido como o jubileu de prata, a mídia se apaixonou pelos Sex Pistols,
pelo dinheiro que eles poderiam
ganhar e o poder que tinham o
potencial de exercer. Naquele dia,
o "Daily Mirror" colocou na capa
nosso retrato da rainha -a célebre foto tirada por Cecil Beaton,
mas em versão modificada, com
um alfinete trespassando o nariz
de Elizabeth. O retrato oficial foi
relegado à página 3. A mídia preferiu adorar a nossa versão.
A cultura pop tinha feito uma
diferença. A revolução musical do
punk rock era aberta a todos. Não
era necessário possuir habilidades para poder concorrer com
seus predecessores. Era um fenômeno faça-você-mesmo. Por um
momento, todos foram artistas.
Naquela semana do jubileu de
prata, foi quase impossível comprar o disco, pois não era encontrado na maioria das lojas. Não
podia ser ouvido na rádio, exceto
em ocasiões raras, como parte de
um noticiário. Sua divulgação foi
proibida. As emissoras de TV comerciais se recusavam a aceitar
nossos anúncios caseiros.
Apesar disso, o disco foi, inegavelmente, o número um. As paradas nacionais foram falsificadas
pela própria indústria da música.
Uma faixa de Rod Stewart foi
apresentada como sendo a número um, embora "God Save the
Queen", vendido pelas mesmas
distribuidoras, estivesse vendendo o dobro de cópias. Como o disco conseguiu atingir esse status?
Era algo que contrariava todas as
regras de marketing normais e
que rompia com os valores econômicos largamente aceitos. O
consumidor era um alienígena
que eles não compreendiam.
No dia seguinte ao jubileu de
prata, tudo na mídia estava debaixo do olhar crítico da nova geração. O jubileu de prata foi um
ponto de virada, um momento
cujo impacto é sentido até hoje.
As mesmas camisetas "God Save the Queen" vendidas naquela
época são vendidas hoje em lojas
de Beverly Hills. Elas aparecem,
25 anos mais tarde, nos corpos de
Kate Moss e Lauren Hutton, fotografadas na "Vogue". Agora, a camiseta é a antítese daquilo que ela
representava originalmente.
Além disso, há um mês, Johnny
Rotten, o vocalista do Sex Pistols,
disse que fez lobby junto ao palácio para poder cantar para a rainha em seu jubileu de ouro, que
nunca foi pró ou contra a monarquia e que, já que temos um sistema monárquico, seria melhor que
ele "funcionasse direito". E minha
antiga parceira Vivienne Westwood aceitou condecorações da
rainha e agora acha a monarca
ótima. Isso me deixa confuso.
Não compreendo como os pontos
de vista deles podem ter mudado
tanto. Eu ainda penso mais ou
menos como pensava em 1977.
Há duas palavras que podem resumir as oposições que caracterizam nossa cultura atual. Uma é
autenticidade e a outra é karaokê.
O karaokê consiste em repetir as
palavras de outros, numa mímica.
É a vida por procuração, sem o estorvo do processo bagunçado da
criatividade e sem precisar assumir a responsabilidade por ela,
quando a apresentação chega ao
fim. Acho que hoje vivemos num
mundo karaokê. Pode-se dizer
que Tony Blair é nosso primeiro
primeiro-ministro karaokê.
Mas existe um contraponto a
tudo isto: um desejo inquestionável de autenticidade. O que é isso?
Onde podemos encontrá-lo? Eu o
encontrei no dia do jubileu de
prata: aqueles punks reunidos nas
pontes de Londres, as camisetas
"God Save the Queen", a risada
diante do juiz após minha noite
na cadeia, tudo isso foi parte de
uma atitude que se expressou em
algo que pode melhor ser descrito
como real: algo que foi autêntico.
Malcolm McLaren foi empresário do Sex Pistols
Tradução Clara Allain
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