São Paulo, sábado, 21 de julho de 2001

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CRÍTICA

Na rota do conquistador, a trilha do "conquistado"

CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL

Com fome , frio, sede e exposto a intempéries em um fim de mundo sul-americano, o jovem Ernesto Che Guevara se faz a pergunta que deve ter se repetido muitas vezes ao longo de sua curta, mas intensa vida: "Será que isso tudo vale a pena?".
Não há política no primeiro diário de viagem escrito por Che, mas já se vê aí sua vocação para "herói". Como diz o pai dele, Ernesto Guevara Lynch, no prólogo, o filho e seu amigo Granado refazem a rota dos conquistadores, "mas com um propósito bem diferente". Os dois amigos seguem, na verdade, a trilha dos "conquistados".

Diário
É só na simpatia e solidariedade pelos índios e no desprezo pela classe média "arrogante", no entanto, que o diário sinaliza para o homem que desabrocharia nos anos seguintes. No mais, é apenas um diário, algumas vezes divertido, noutras angustiante, de dois mochileiros destemidos.
Guevara e Granado viveram quase um ano com as roupas em farrapos e mendigando comida em toda parte. Che sofreria ainda com os ataques da asma que o acompanharia até o final.
O socialismo dentro dele, se há, está embrionário. Tanto que o último capítulo, incluído no diário sabe-se lá por quê, já que não se conhece a época nem o local em que foi escrito, destoa do resto, ao mostrar um Guevara autoproclamado "dissector eclético de doutrinas e psicanalista de dogmas", que deseja degolar "quantos vencidos caiam" em suas mãos.

"Humano"
No resto do livro, ao contrário, é um Che "humano" quem aparece, capaz de passagens cômicas, como quando alivia a dor de barriga em uma janela. Um rapaz como outro qualquer, gozador, não muito trabalhador (até preguiçoso) e bom goleiro, além de insuspeitado crítico cinematográfico: odiou "Stromboli" (1949), de Rossellini, que vê no Peru.
Apesar de os dois amigos partirem de Buenos Aires sonhando também em encontrar belas mulheres, a presença delas é mínima. Certos trechos, porém, não deixam de exalar sensualidade.
Apenas um problema, porém: a opção pela tradução a partir das edições inglesa e italiana mostra-se equivocada ao ponto de deixar confusos parágrafos inteiros e leva a pelo menos um erro grave: "yuca" (mandioca) é traduzido como "iúca" ou "uma flor", o que faz supor ser esta a base da alimentação dos índios.


Avaliação:     



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