São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

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"O NOME DO BISPO"

Zulmira Ribeiro Tavares realiza descrição perversa e devastadora da materialidade de seu personagem

Inversão carnavalesca garante originalidade

DO CRÍTICO DA FOLHA

Que o leitor não se engane. Por trás da história simples, da estrutura despretensiosa e estilo irônico de "O Nome do Bispo", esconde-se um dos melhores romances escritos no Brasil nas últimas duas décadas.
E insistir na tecla da crítica da crítica social, que o texto sem dúvida suscita, é perder de vista o que ele tem de mais original, quer seja: o modo muito particular como essa crítica se engendra.
Pois o que temos aí? Trata-se da pequena história de um liberal burguês, paulistano quatrocentão, empresário nas horas vagas, que se interna num hospital de Higienópolis para operar "um mal ridículo, uma pequena infâmia que se desenvolveu sorrateiramente à margem de sua consciência, nos cômodos inferiores do corpo (...)". Em outras palavras: uma fissura anal.
A natureza ridícula de sua aflição faz com que ele não participe à família. Em meio a recordações, delírios provocados por anestésicos e visitas que ocorrem à sua revelia, desvenda-se a história do personagem, cujo nome -Heládio Marcondes Pompeu- lhe foi dado em homenagem a um tio-avô bispo.
Em conjunto com a trajetória de Heládio, descobre-se a história dos Pompeu, como o tal tio, cujo futuro cardinalício lhe foi ceifado por uma síncope; a tia Maria da Glória, que gostava de dizer que "mulher fina em hipótese alguma cheira, nem para cá nem para lá", e o tio Oscar, cujo grande feito foi ter certa vez passado por inglês quando morou a contragosto na Inglaterra.
O quadro se amplia quando entram em cena representantes de outras castas, como o escultor (autor de túmulos do cemitério da Consolação) Vitório Avancini, ou os funcionários do hospital, que tratam o paciente com sem-cerimônia.
O que não se pode perder de vista, contudo, é o fato de toda a cena se descortinar para nós a partir desse pequeno dado muito concreto e "infame", aludido no início. A "relação" do personagem com o mundo foi transferida (por causa da fissura) para o ânus.
Ele próprio se define como um "homem-macaco", que, com seu "rabo-auscultador", começa a ouvir os sons de sua infância. É a partir dessa inversão absolutamente carnavalesca, rabelaisiana, de onde brota a consciência do personagem, que se puxa o fio de todo o enredo. A descrição de Zulmira, engraçada, perversa e devastadora, nunca se deve pensar separada dessa investigação violadora da materialidade. Daí, sua originalidade. (MARCELO PEN)


O Nome do Bispo
    
Autora: Zulmira Ribeiro Tavares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (232 págs.)



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