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"O NOME DO BISPO"
Zulmira Ribeiro Tavares realiza descrição perversa e devastadora da materialidade de seu personagem
Inversão carnavalesca garante originalidade
DO CRÍTICO DA FOLHA
Que o leitor não se engane.
Por trás da história simples,
da estrutura despretensiosa e estilo irônico de "O Nome do Bispo",
esconde-se um dos melhores romances escritos no Brasil nas últimas duas décadas.
E insistir na tecla da crítica da
crítica social, que o texto sem dúvida suscita, é perder de vista o
que ele tem de mais original, quer
seja: o modo muito particular como essa crítica se engendra.
Pois o que temos aí? Trata-se da
pequena história de um liberal
burguês, paulistano quatrocentão, empresário nas horas vagas,
que se interna num hospital de
Higienópolis para operar "um
mal ridículo, uma pequena infâmia que se desenvolveu sorrateiramente à margem de sua consciência, nos cômodos inferiores
do corpo (...)". Em outras palavras: uma fissura anal.
A natureza ridícula de sua aflição faz com que ele não participe
à família. Em meio a recordações,
delírios provocados por anestésicos e visitas que ocorrem à sua revelia, desvenda-se a história do
personagem, cujo nome -Heládio Marcondes Pompeu- lhe foi
dado em homenagem a um tio-avô bispo.
Em conjunto com a trajetória de
Heládio, descobre-se a história
dos Pompeu, como o tal tio, cujo
futuro cardinalício lhe foi ceifado
por uma síncope; a tia Maria da
Glória, que gostava de dizer que
"mulher fina em hipótese alguma
cheira, nem para cá nem para lá",
e o tio Oscar, cujo grande feito foi
ter certa vez passado por inglês
quando morou a contragosto na
Inglaterra.
O quadro se amplia quando entram em cena representantes de
outras castas, como o escultor
(autor de túmulos do cemitério
da Consolação) Vitório Avancini,
ou os funcionários do hospital,
que tratam o paciente com sem-cerimônia.
O que não se pode perder de vista, contudo, é o fato de toda a cena
se descortinar para nós a partir
desse pequeno dado muito concreto e "infame", aludido no início. A "relação" do personagem
com o mundo foi transferida (por
causa da fissura) para o ânus.
Ele próprio se define como um
"homem-macaco", que, com seu
"rabo-auscultador", começa a ouvir os sons de sua infância. É a
partir dessa inversão absolutamente carnavalesca, rabelaisiana,
de onde brota a consciência do
personagem, que se puxa o fio de
todo o enredo. A descrição de
Zulmira, engraçada, perversa e
devastadora, nunca se deve pensar separada dessa investigação
violadora da materialidade. Daí,
sua originalidade.
(MARCELO PEN)
O Nome do Bispo
Autora: Zulmira Ribeiro Tavares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 37 (232 págs.)
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