São Paulo, sábado, 21 de agosto de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"O CRAVO DE MOZART É ETERNO"

Lins do Rego expõe consciência de limitações

LUIZ RUFFATO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Ainda hoje, quando pronunciamos o nome de José Lins do Rego (1901-1957), ouvimos o eco do romance "Menino de Engenho", a rigor mais um documento antropológico que propriamente um monumento estético, quando na verdade talvez devêssemos gritar "Fogo Morto", este sim, uma rara obra-prima da literatura brasileira.
Essa reflexão inicial vem a propósito do lançamento de "O Cravo de Mozart É Eterno", reunião de "crônicas e ensaios" do escritor paraibano, em que deparamos com o autor plenamente consciente de suas limitações.
Falando do personagem Vitorino Carneiro da Cunha, de "Fogo Morto", afirma: "Penso que é ele hoje o homem capaz de me sustentar de uma crítica rigorosa aos meus romances".
Organizado pelo poeta Lêdo Ivo, o livro traz uma seleção de crônicas (o termo "ensaio" que aparece na capa é uma apropriação indevida) publicadas em jornais e reunidas em livros como "Gordos e Magros" (1942), "Poesia e Vida" (1945), "Bota de Sete-Léguas" (1951), "Homens, Seres e Coisas" (1952), "A Casa e o Homem" (1954), "Roteiro de Israel" (1955), "Gregos e Troianos" (1957) e "O Vulcão e a Fonte" (1958).
O organizador dividiu o livro em quatro partes: "No Reino da Prosa", impressões de leituras; "Notas de Viagem", relatos de suas andanças pela Europa e Israel; "Criaturas e Paisagens", miscelânea; e "Entre Poetas, Pintores e um Músico", em que, curiosamente, entre os artigos, surge um a respeito da poesia do próprio Lêdo Ivo.
Todo o interesse de "O Cravo de Mozart É Eterno" se resume, basicamente, à primeira parte, na qual Lins do Rego esboça alguns retratos, o forte de seu talento, e discute algumas questões ainda hoje relevantes.
A narrativa de seu encontro com um Graciliano Ramos ainda desconhecido, enfiado em Palmeira dos Índios (AL), sua leitura de Machado de Assis, "o maior romancista da América", de Lima Barreto, "o Gogol brasileiro", e de José de Alencar, sua defesa da língua nacional e principalmente sua rusga com os paulistas, por conta da Semana de Arte Moderna, assunto ainda palpitante.
No artigo "Espécie de História Literária", Lins do Rego bate frontalmente contra os paulistas, em particular contra o crítico Sérgio Milliet e o escritor Mário de Andrade, que, em sua opinião, escreveu um livro, "Macunaíma", numa língua "tão arrevezada quanto a dos sonetos de Alberto de Oliveira" (poeta parnasiano muito em voga ainda na década de 20).
Reivindica, ainda, uma revolução estética em separado para o Nordeste, com epicentro no Recife, chefiada pelo sociólogo Gilberto Freyre, que acabara de chegar da Europa em 1923 e alertara seus pares da "fraqueza e do postiço do movimento".
Polêmicas à parte, numa coisa Lins do Rego tinha razão: muito mais que cerrar fileiras com os modernistas do sul, o regionalismo foi quase uma conseqüência natural da tradição literária nordestina que vinha do século 19.
As outras partes do livro talvez sejam menos interessantes. As "Notas de Viagem" são textos de um turista inteligente, sim, mas eivados de comentários absolutamente corriqueiros. Em "Criaturas e Paisagens", Lins do Rego consegue belos textos apenas quando evoca sua paisagem tão querida, na lembrança de uma cheia do rio Paraíba, de um Natal no Engenho Corredor e também quando demonstra sua implicância com Euclydes da Cunha -"o seu sertanejo parecia um aleijão humano".
A última parte, "Entre Poetas, Pintores e um Músico", vale por um belíssimo artigo sobre Augusto dos Anjos, paraibano como ele, no entanto, nascido 17 anos antes, num engenho vizinho ao do seu avô.


Luiz Ruffato é escritor, autor de "Eles Eram Muitos Cavalos"

O Cravo de Mozart É Eterno
  
Autor: José Lins do Rego
Organizador: Lêdo Ivo
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 38 (365 págs.)



Texto Anterior: História: Exposições e livros celebram Getúlio Vargas
Próximo Texto: Correspondências: Leilão reúne cartas de autores como Lobato e Bilac
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.