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"O CRAVO DE MOZART É ETERNO"
Lins do Rego expõe consciência de limitações
LUIZ RUFFATO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Ainda hoje, quando pronunciamos o nome de José Lins
do Rego (1901-1957), ouvimos o
eco do romance "Menino de Engenho", a rigor mais um documento antropológico que propriamente um monumento estético, quando na verdade talvez devêssemos gritar "Fogo Morto",
este sim, uma rara obra-prima da
literatura brasileira.
Essa reflexão inicial vem a propósito do lançamento de "O Cravo de Mozart É Eterno", reunião
de "crônicas e ensaios" do escritor
paraibano, em que deparamos
com o autor plenamente consciente de suas limitações.
Falando do personagem Vitorino Carneiro da Cunha, de "Fogo
Morto", afirma: "Penso que é ele
hoje o homem capaz de me sustentar de uma crítica rigorosa aos
meus romances".
Organizado pelo poeta Lêdo
Ivo, o livro traz uma seleção de
crônicas (o termo "ensaio" que
aparece na capa é uma apropriação indevida) publicadas em jornais e reunidas em livros como
"Gordos e Magros" (1942), "Poesia e Vida" (1945), "Bota de Sete-Léguas" (1951), "Homens, Seres e
Coisas" (1952), "A Casa e o Homem" (1954), "Roteiro de Israel"
(1955), "Gregos e Troianos"
(1957) e "O Vulcão e a Fonte"
(1958).
O organizador dividiu o livro
em quatro partes: "No Reino da
Prosa", impressões de leituras;
"Notas de Viagem", relatos de
suas andanças pela Europa e Israel; "Criaturas e Paisagens", miscelânea; e "Entre Poetas, Pintores
e um Músico", em que, curiosamente, entre os artigos, surge um
a respeito da poesia do próprio
Lêdo Ivo.
Todo o interesse de "O Cravo de
Mozart É Eterno" se resume, basicamente, à primeira parte, na qual
Lins do Rego esboça alguns retratos, o forte de seu talento, e discute algumas questões ainda hoje
relevantes.
A narrativa de seu encontro
com um Graciliano Ramos ainda
desconhecido, enfiado em Palmeira dos Índios (AL), sua leitura
de Machado de Assis, "o maior
romancista da América", de Lima
Barreto, "o Gogol brasileiro", e de
José de Alencar, sua defesa da língua nacional e principalmente
sua rusga com os paulistas, por
conta da Semana de Arte Moderna, assunto ainda palpitante.
No artigo "Espécie de História
Literária", Lins do Rego bate frontalmente contra os paulistas, em
particular contra o crítico Sérgio
Milliet e o escritor Mário de Andrade, que, em sua opinião, escreveu um livro, "Macunaíma", numa língua "tão arrevezada quanto
a dos sonetos de Alberto de Oliveira" (poeta parnasiano muito
em voga ainda na década de 20).
Reivindica, ainda, uma revolução estética em separado para o
Nordeste, com epicentro no Recife, chefiada pelo sociólogo Gilberto Freyre, que acabara de chegar
da Europa em 1923 e alertara seus
pares da "fraqueza e do postiço do
movimento".
Polêmicas à parte, numa coisa
Lins do Rego tinha razão: muito
mais que cerrar fileiras com os
modernistas do sul, o regionalismo foi quase uma conseqüência
natural da tradição literária nordestina que vinha do século 19.
As outras partes do livro talvez
sejam menos interessantes. As
"Notas de Viagem" são textos de
um turista inteligente, sim, mas
eivados de comentários absolutamente corriqueiros. Em "Criaturas e Paisagens", Lins do Rego
consegue belos textos apenas
quando evoca sua paisagem tão
querida, na lembrança de uma
cheia do rio Paraíba, de um Natal
no Engenho Corredor e também
quando demonstra sua implicância com Euclydes da Cunha -"o
seu sertanejo parecia um aleijão
humano".
A última parte, "Entre Poetas,
Pintores e um Músico", vale por
um belíssimo artigo sobre Augusto dos Anjos, paraibano como ele,
no entanto, nascido 17 anos antes,
num engenho vizinho ao do seu
avô.
Luiz Ruffato é escritor, autor de "Eles
Eram Muitos Cavalos"
O Cravo de Mozart É Eterno
Autor: José Lins do Rego
Organizador: Lêdo Ivo
Editora: José Olympio
Quanto: R$ 38 (365 págs.)
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