São Paulo, quarta-feira, 21 de outubro de 2009

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ANÁLISE

Mostra tem filmes menos conhecidos

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Já que a Mostra de São Paulo desencanou de trazer as grandes retrospectivas que a marcaram no ano passado, o CCBB faz o favor de abrir, a partir de hoje, uma retrospectiva dedicada a R.W. Fassbinder (1945-1982), o mais radical e controvertido dos autores que deram existência, nos anos 70, ao chamado "novo cinema alemão".
Antes de conhecê-lo, o mundo conheceu Werner Herzog, Wim Wenders, H.J. Syberberg ou Alexander Kluge. Fassbinder talvez não tivesse tempo para outra coisa além de filmar. Como se adivinhasse a morte prematura, realizou 43 filmes entre 1966 e 1982, ano em que morreu por uma overdose. A lista inclui alguns curtas, é verdade, mas os 14 episódios do grandioso "Berlim Alexanderplatz" contam por um.
A desigualdade da produção fassbinderiana é notória. Não pode ser vista como defeito, mas como aspecto estruturante de seu cinema. Tendo muito a dizer, optou por dizê-lo com um sentido de urgência raro, frenético. Era capaz de abordar qualquer tema: a sexualidade, a homossexualidade, a política, o terrorismo político, o milagre alemão, o poder, o sofrimento, a imigração e o preconceito, o casal em crise, a música, a mulher, o nazismo etc. Nada lhe escapava, talvez por isso tenha se destacado mais tarde que os cineastas de sua geração: foi um autor de obra, mais do que de grandes filmes esparsos.
Na verdade, os grandes filmes aconteceram. Desde pelo menos "O Casamento de Maria Braum", de 1979, teve à disposição orçamentos mais generosos. A retrospectiva traz filmes menos conhecidos, do começo de carreira, ou produzidos com orçamentos modestos.
Nada mais difícil (ou inútil) do que tentar definir Fassbinder por seu estilo. Ele podia ser lento ou agitado, distantemente brechtiano ou apaixonadamente melodramático, embora tenha explorado os matizes entre as duas extremidades. De comum, a ideia de que a moderna Alemanha é uma instituição doente. A retrospectiva trará 13 filmes em película e trabalhos em outros suportes (entre eles "Berlin Alexanderplatz"), documentários e filmes de autores que o inspiraram.
Na leva, vêm os dois curtas de início de carreira e "O Amor É Mais Frio que a Morte" (1969), um policial não por acaso dedicado a vultos da nouvelle vague francesa, assim como obras-primas como "Roleta Chinesa" (1976), "Mamãe Kusters Vai ao Céu" (1975), "O Direito do Mais Forte" (1975). Nada mais provisório, porém, que destacar este ou aquele trabalho: pela vastidão, a obra de Fassbinder permanece, em boa medida, desconhecida, ou mesmo esquecida.
Mesmo o filme mais modesto, no entanto, carrega a vontade feroz de criar a sua versão da Alemanha contemporânea e, por meio dela, do mundo como lugar de extrema crueldade, em que a miséria e a infelicidade triunfam sobre os impulsos generosos. A retrospectiva é uma bela oportunidade para ver ou rever, conhecer ou reconhecer fragmentos significativos de uma das obras mais complexas do cinema moderno.


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