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"DEFESAS DA POESIA"
Volume reúne dois textos, escritos com intervalo de 240 anos
Ensaios respondem à visão de Platão sobre a poesia
MARCELO COELHO
COLUNISTA DA FOLHA
Para que poetas? A pergunta
conheceu muitas versões e
respostas desde que Platão, na
"República", advertiu quanto aos
perigos da poesia lírica e da epopéia, dizendo que somente "hinos
aos deuses e encômios aos varões
honestos" deveriam ser admitidos na cidade ideal.
Com cerca de 240 anos de intervalo, duas clássicas "Defesas da
Poesia" -a de sir Philip Sidney
(1554-1586) e a de Percy Shelley
(1792-1822)- empenharam-se
em responder ao famoso anátema
de Platão. A editora Iluminuras,
em colaboração com a Fapesp,
reúne os dois textos num único
volume, com tradução de Enid
Abreu Dobránszky, que também
assina um extenso, erudito e importante ensaio introdutório.
Um dos maiores nomes do romantismo inglês, Shelley escreveu
sua "Defesa da Poesia" reagindo a
uma provocação de seu contemporâneo Thomas Love Peacock
(1785-1866), que num panfleto satírico considerava "perdulários de
seu tempo e ladrões do tempo dos
outros" os que ainda se dedicavam ao inútil exercício do verso.
Pergunta Shelley em que consiste, afinal, aquela idéia de "utilidade", tão valorizada na Inglaterra
de 1820. Se "útil" for tudo aquilo
que nos livra dos incômodos materiais, certamente as artes mecânicas valem mais que a poesia.
Crítico da sociedade industrial,
nosso poeta não deixa de observar, entretanto, que com isso "os
ricos tornaram-se mais ricos, e os
pobres, mais pobres".
Haveria, de qualquer modo,
prazeres mais elevados do que os
causados pelo simples conforto físico. A melancolia, a tristeza e até
"o terror, a angústia, o desespero"
são prazeres também, que os poetas devem provocar em benefício
do próprio aperfeiçoamento intelectual e moral da humanidade.
A mistura entre reformismo social e sublimidade romântica perpassa todo o texto de Shelley. Desde as primeiras páginas, a poesia é
vista como uma espécie de prolongamento simpático, de vibração continuada, de tentativa de
perpetuar uma experiência de
prazer já extinta. À medida que
traça ligações entre as coisas, à
medida que se constitui num eco
da harmonia planetária, a poesia
"desperta e amplia o próprio espírito, tornando-o receptáculo de
milhares de inadvertidas combinações de pensamentos".
O que equivale, para Shelley, a
ser um instrumento da solidariedade universal; a poesia é como
que prefiguração de um pacto, de
um contrato novo entre os homens em sociedade. Os poetas,
conclui o texto, "são os legisladores não reconhecidos do Mundo".
Pode-se perceber de que modo o
texto termina se equilibrando numa situação temporal especialmente ambígua, feita de nostalgia
diante de um passado harmonioso e também de antecipação utópica de um futuro de liberdade .
Se essa ambiguidade nos parece
participar de uma crise muito
"moderna", muito familiar a nossas próprias inquietações políticas e estéticas, nem por isso o ensaio de Shelley é de fácil leitura.
Comparativamente, o exército
de referências clássicas, de anedotas históricas e de procedimentos
de oratória que sir Philip Sidney
mobiliza na sua "Defesa da Poesia" de 1582 é bem mais leve.
Político, cortesão e diplomata,
Sidney estaria pecando contra o
bom gosto se levasse demasiado a
sério a própria argumentação.
Contra os que a consideram mentirosa e fútil (e Sidney enfrentava,
naquela época, os seguidores da
religião puritana), o texto insiste
no caráter edificante da poesia.
Usando dos mais variados argumentos e anedotas, Sidney é, contudo, bem mais divertido do que
seu propósito faria supor.
Talvez nossa época tenha se distanciado muito do puritanismo e
do espírito de cobrança política a
que esses dois textos, cada qual
com o vocabulário próprio de seu
tempo, procuram responder.
Mas, da leitura desses dois clássicos da crítica e do ensaio literário,
seria a pior das estreitezas exigir
uma utilidade imediata.
Defesas da Poesia
Autores: Sir Philip Sidney e Percy Bisshe
Shelley
Tradução: Enid Abreu Dobránszky
Editora: Iluminuras/Fapesp
Quanto: R$ 30 (221 págs.)
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