São Paulo, Sábado, 22 de Janeiro de 2000


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GILBERTO FREYRE
Sociólogo ganha novas leituras de intelectuais; Alfredo Bosi fala da romantização da escravidão
Teoria da democracia racial é debatida

da Redação

É vasta a bibliografia sobre o processo de miscigenação no Brasil, de Silvio Romero a Capistrano de Abreu, de Oliveira Viana a Euclides da Cunha. Mas só com Gilberto Freyre deu-se um passo em direção à moderna antropologia.
No mesmo ano em que Hitler assumia o poder na Alemanha, Gilberto Freyre se insurgia contra as teorias racistas e deterministas no Brasil, com o lançamento de "Casa-Grande & Senzala", em 1933. Quanto a esse ponto, os pesquisadores são unânimes.
Ao escrever sobre os intérpretes do Brasil, Laura de Mello Souza, professora de história moderna da USP, afirma: "Talvez só se possa atribuir com justeza o caráter de precursor a um autor, Gilberto Freyre, e a uma obra, "Visão do Paraíso", obra-prima de Sergio Buarque de Holanda".
Wilson do Nascimento Barbosa, professor de história contemporânea da USP e especialista em cultura afro-brasileira, compartilha da opinião. "Freyre se distanciou dos conceitos deterministas, racistas, que viam na mistura de raças o mal para o país."
Por outro lado, Alfredo Bosi, em estudo recente, "Dialética da Colonização" (Cia. das Letras), chamou a atenção para a romantização da escravidão em pontos de Gilberto Freyre. O crítico diz que não se pode dizer que "o senhor de engenho despido de preconceitos se misturou fecunda e poligamicamente com as escravas". Para ele, a tendência portuguesa à mestiçagem é mais "falocrática" do que "democrática".
Relido hoje, se Gilberto Freyre corresponde a esse movimento de negação da passagem racista, por outro lado parece ter uma visão positiva demais dos fatos -para alguns pesquisadores. Ele vai fazer um "discurso de branco competente e negro competente e de branco atrasado e de negro atrasado", destacou o professor Barbosa.
"A leitura corresponde na explicação étnica do Brasil àquilo que Max Weber corresponde na explicação sociológica da Alemanha. Ele nega uma possibilidade de interpretação marxista, mas também nega uma possibilidade de interpretação de extrema direita. Então ele contribui, evidentemente que não sozinho, para a aporia da democracia racial."
Para o professor, Gilberto Freyre foi um inovador e um conservador. "Enquanto o Brasil não se livrasse da mancha do negro, não seria capaz de ser civilizado, pelo menos dentro dos moldes europeus. Gilberto Freyre quebrou esse preconceito."
Wilson do Nascimento Barbosa insiste nos anacronismos do livro. "Ora, é preciso observar que se o sr. de engenho mantém à força relações sexuais com a mulher que comprou, como um objeto, isso é estupro. Essa é uma sociedade de usurpadores e estupradores, não houve democracia racial."
A razão para debates tão acalorados em torno do nome de Gilberto Freyre estaria na sua boa capacidade de articulação: "Como ele escreve muito bem, acaba apresentando as desvantagens como vantagens e, por vezes, convence". (SHEILA GRECCO)


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