São Paulo, Sábado, 22 de Janeiro de 2000


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LIVRO
Navegador português, primeiro a dar a volta ao mundo, tem sua saga contada pelo escritor austríaco
Zweig é tão grande quanto "Magalhães"


PAULO VIEIRA
especial para a Folha


Faltava ele. Depois das biografias de Colombo e Cabral e dos diários de Vasco da Gama, o mercado editorial brasileiro faz circular agora, no "ano 500", Fernão de Magalhães, ou Maghallanes, grafia que o navegador português adotou ao assumir a frota espanhola com a qual se eternizou e com a qual descobriu a passagem do Oceano Atlântico para o Oceano Pacífico.
Reeditado pela Record, "Fernão de Magalhães" chegou às livrarias sem fazer alarde. Pelo feito do navegador, o primeiro a circunavegar o globo -confirmando finalmente que a Terra era redonda-, a discrição não se justifica.
Mas a editora preferiu escondê-lo no meio de um pacote de seis títulos do mesmo autor, o judeu austríaco Stefan Zweig (1881-1942), um dos escritores de maior sucesso da primeira metade do século, e, ao menos no Brasil, de mais vulto que seu biografado.
Zweig escreveu no Brasil, durante o Estado Novo getulista, "Brasil, País do Futuro". Ao projetar a potência e felicidade de uma nação de recursos naturais tão prodigiosos, acabou, involuntariamente, jogando um fardo insuportável nas costas dos brasileiros do futuro, justamente aqueles que jamais veriam o prognóstico se confirmar.
Mas Zweig fez mais por sua memória brasileira. Decidiu morrer aqui, em Petrópolis, 1942, ingerindo, junto com a mulher, uma dose letal de soníferos. (Uma hipótese recente sugere que Zweig foi assassinado por agentes da Gestapo).
O biógrafo, assim, paradoxalmente, empana o brilho do biografado, aquele que protagonizou "a odisséia mais esplêndida da história da humanidade", nas palavras de Zweig.
Em 1520, Magalhães, conduzindo uma frota de cinco navios, 265 homens e 10,7 toneladas de biscoitos, descobriu o estreito que passou a levar seu nome, ao sul do continente americano, e mostrou ser possível chegar às Índias pelo Pacífico.
"Magalhães" é uma das várias biografias de Zweig, que se dedicou também a Maria Antonieta, Maria Stuart, Balzac, Stendhal, Tolstói, Joseph Fouché, entre muitos outros.
O perfil do navegador insere-se na tradição de uma época, os anos 30, que "ama e quer biografias heróicas" e que "busca no passado exemplos mais elevados", nas palavras do escritor.
Em 1936, quando, a bordo de um navio inglês que o levaria pela primeira vez à América do Sul, caiu-lhe nas mãos um breve perfil do navegador português, Zweig já havia decidido deixar de lado as biografias, ao menos aquelas de "ganhadores", como dizia.
Assim, antes de começar "Magalhães", recusara um convite do governo argentino para escrever sobre o libertador San Martín.

Perdedor
Magalhães, contudo, entrava em sua conta pessoal como "perdedor".
Se foi capaz de dar certeza aos cartógrafos sobre os limites do mundo, o navegador jamais foi assimilado por Portugal, por estar a serviço da Espanha numa época em que os dois países disputavam o mundo; por português, Magalhães à Espanha pareceu um intruso, notadamente por condenar à morte e ao degredo comandantes espanhóis de sua tripulação; por fim, tendo morrido em condições quase risíveis no meio da travessia, não pode voltar a Sevilha para colher seus louros. Eles couberam a um tripulante que, ironicamente, conspirou contra o capitão no começo da jornada.
Quando escreveu a biografia, em 1937, Zweig ainda trabalhava em outros dois livros. Proscrito na Alemanha nazista, temia por retaliações na Áustria natal. "A situação é tal que não devemos parar", dizia. "Escrevendo, não se repara tanto nas adversidades da época."
Entendia também que "nove entre dez pessoas não têm idéia de quem foi Magalhães", daí ter sugerido ao editor Herbert Reichner que usasse como subtítulo a frase "história da primeira circunavegação".
"Magalhães" teve sua primeira edição brasileira em 1938. A Guanabara, que editava Zweig aqui, traduzia-o para o português a partir de traduções francesas. A Record, nesta reedição, apoiou-se no original alemão.
A versão atual sacrifica as dezenas de ilustrações da edição da Guanabara, assim como o mapa da trajetória circular da frota de Magalhães (reproduzido nesta página).
Preserva, contudo, alguns interessantes anexos, como um inventário de todas as provisões dos navios e o contrato celebrado entre o navegador português e o rei espanhol Carlos 5º.
Nele, o monarca concede a Magalhães a vigésima parte dos rendimentos das ilhas e terras a serem descobertas pelo navegador, assim como o título de governador sobre esses mesmos lugares, "por todos os tempos".
Em favor da edição da Record, credite-se a inclusão de um posfácio do editor alemão de Zweig, com excertos das correspondências do autor.


Livro: Fernão de Magalhães - O Homem e a sua Façanha
Autor: Stefan Zweig Record: (tel. 0/xx/21/585-2000) Quanto: R$ 30 (320 págs.)


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