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LIVRO
Navegador português, primeiro a dar a volta ao mundo, tem sua saga contada pelo escritor austríaco
Zweig é tão grande quanto "Magalhães"
PAULO VIEIRA
especial para a Folha
Faltava ele. Depois das biografias
de Colombo e Cabral e dos diários de
Vasco da Gama, o
mercado editorial
brasileiro faz circular agora, no
"ano 500", Fernão de Magalhães,
ou Maghallanes, grafia que o navegador português adotou ao assumir a frota espanhola com a
qual se eternizou e com a qual
descobriu a passagem do Oceano
Atlântico para o Oceano Pacífico.
Reeditado pela Record, "Fernão
de Magalhães" chegou às livrarias
sem fazer alarde. Pelo feito do navegador, o primeiro a circunavegar o globo -confirmando finalmente que a Terra era redonda-,
a discrição não se justifica.
Mas a editora preferiu escondê-lo no meio de um pacote de seis títulos do mesmo autor, o judeu
austríaco Stefan Zweig (1881-1942), um dos escritores de maior
sucesso da primeira metade do
século, e, ao menos no Brasil, de
mais vulto que seu biografado.
Zweig escreveu no Brasil, durante o Estado Novo getulista,
"Brasil, País do Futuro". Ao projetar a potência e felicidade de
uma nação de recursos naturais
tão prodigiosos, acabou, involuntariamente, jogando um fardo insuportável nas costas dos brasileiros do futuro, justamente aqueles
que jamais veriam o prognóstico
se confirmar.
Mas Zweig fez mais por sua memória brasileira. Decidiu morrer
aqui, em Petrópolis, 1942, ingerindo, junto com a mulher, uma
dose letal de soníferos. (Uma hipótese recente sugere que Zweig
foi assassinado por agentes da
Gestapo).
O biógrafo, assim, paradoxalmente, empana o brilho do biografado, aquele que protagonizou
"a odisséia mais esplêndida da
história da humanidade", nas palavras de Zweig.
Em 1520, Magalhães, conduzindo uma frota de cinco navios, 265
homens e 10,7 toneladas de biscoitos, descobriu o estreito que
passou a levar seu nome, ao sul do
continente americano, e mostrou
ser possível chegar às Índias pelo
Pacífico.
"Magalhães" é uma das várias
biografias de Zweig, que se dedicou também a Maria Antonieta,
Maria Stuart, Balzac, Stendhal,
Tolstói, Joseph Fouché, entre
muitos outros.
O perfil do navegador insere-se
na tradição de uma época, os anos
30, que "ama e quer biografias heróicas" e que "busca no passado
exemplos mais elevados", nas palavras do escritor.
Em 1936, quando, a bordo de
um navio inglês que o levaria pela
primeira vez à América do Sul,
caiu-lhe nas mãos um breve perfil
do navegador português, Zweig já
havia decidido deixar de lado as
biografias, ao menos aquelas de
"ganhadores", como dizia.
Assim, antes de começar "Magalhães", recusara um convite do
governo argentino para escrever
sobre o libertador San Martín.
Perdedor
Magalhães, contudo, entrava
em sua conta pessoal como "perdedor".
Se foi capaz de dar certeza aos
cartógrafos sobre os limites do
mundo, o navegador jamais foi
assimilado por Portugal, por estar
a serviço da Espanha numa época
em que os dois países disputavam
o mundo; por português, Magalhães à Espanha pareceu um intruso, notadamente por condenar
à morte e ao degredo comandantes espanhóis de sua tripulação;
por fim, tendo morrido em condições quase risíveis no meio da travessia, não pode voltar a Sevilha
para colher seus louros. Eles couberam a um tripulante que, ironicamente, conspirou contra o capitão no começo da jornada.
Quando escreveu a biografia,
em 1937, Zweig ainda trabalhava
em outros dois livros. Proscrito
na Alemanha nazista, temia por
retaliações na Áustria natal. "A situação é tal que não devemos parar", dizia. "Escrevendo, não se
repara tanto nas adversidades da
época."
Entendia também que "nove
entre dez pessoas não têm idéia de
quem foi Magalhães", daí ter sugerido ao editor Herbert Reichner
que usasse como subtítulo a frase
"história da primeira circunavegação".
"Magalhães" teve sua primeira
edição brasileira em 1938. A Guanabara, que editava Zweig aqui,
traduzia-o para o português a
partir de traduções francesas. A
Record, nesta reedição, apoiou-se
no original alemão.
A versão atual sacrifica as dezenas de ilustrações da edição da
Guanabara, assim como o mapa
da trajetória circular da frota de
Magalhães (reproduzido nesta
página).
Preserva, contudo, alguns interessantes anexos, como um inventário de todas as provisões dos
navios e o contrato celebrado entre o navegador português e o rei
espanhol Carlos 5º.
Nele, o monarca concede a Magalhães a vigésima parte dos rendimentos das ilhas e terras a serem descobertas pelo navegador,
assim como o título de governador sobre esses mesmos lugares,
"por todos os tempos".
Em favor da edição da Record,
credite-se a inclusão de um posfácio do editor alemão de Zweig,
com excertos das correspondências do autor.
Livro: Fernão de Magalhães - O Homem
e a sua Façanha
Autor: Stefan Zweig
Record: (tel. 0/xx/21/585-2000)
Quanto: R$ 30 (320 págs.)
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