São Paulo, sábado, 22 de janeiro de 2005

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"O CEMITÉRIO DOS VIVOS"/ROMANCE; "UM PASSEIO..."/CRÔNICAS

Reedição de obra de Lima tropeça

LUIZ FERNANDO VIANNA
DA SUCURSAL DO RIO

A reedição pela Planeta (em parceria com a Biblioteca Nacional) de dois importantes títulos que estavam fora de catálogo deve ser, naturalmente, comemorada. Mas merecia mais "O Cemitério dos Vivos", de Lima Barreto, que sai ao mesmo tempo que "Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro", de Joaquim Manuel de Macedo.
Tentativa de Lima (1881-1922) de transformar em ficção sua segunda e última passagem pelo hospício da Praia Vermelha, no Rio, entre 25 de dezembro de 1919 e 2 de fevereiro de 1920, "O Cemitério dos Vivos" é ele e suas circunstâncias.
É praticamente impossível medir a importância desse romance inacabado e do "Diário do Hospício", que se edita sempre com ele, sem informações sobre a feitura deles e sobre a vida de Lima. Mas essas informações rareiam na nova edição.
Para começar, não há qualquer menção a Francisco de Assis Barbosa. Além de ser biógrafo do escritor, foi Barbosa quem descobriu todos os seus manuscritos na casa onde Lima viveu com a irmã. Foi ele quem cuidou da primeira edição de "O Cemitério dos Vivos", em 1953.
O organizador Diogo de Hollanda indica que preferiu ignorar o trabalho de Barbosa e ir aos manuscritos, que estão na Biblioteca Nacional. Uma opção hercúlea, porque a letra de Lima é de difícil leitura. E uma opção que cria constrangimentos e omissões.
Hollanda, por exemplo, relativiza um dos trechos mais famosos do "Diário", quando Lima descreve o que vê a partir do hospício: "...o ar azul dessa linda enseada de Botafogo que nos consola na sua imarcescível beleza...". Diante de um trecho tão belo, o organizador, significativamente, lembra que a palavra "beleza" não está no manuscrito e foi posta por dedução. Uma já consagrada dedução.
A edição também não informa que as folhas em que Lima escrevia eram fornecidas pelo diretor do hospício. Esse é um fator fundamental para se ler "Diário" e "O Cemitério". Durante a maior parte das cinco semanas de internação, Lima esteve lúcido, o que dá aos textos um alto valor de documento histórico: um grande escritor conta por dentro o que é um hospício.
Os delírios de Lima eram derivados do tratamento à base de ópio. Mas não se fala de ópio na edição. Lima questionava se havia algo de hereditário na sua suposta loucura -ou no seu alcoolismo, mal que o levou ao hospício e o destruiu. Mas não há, na edição, referência à loucura do pai, informação fundamental.
Vale ressalvar que, apesar dos tropeços, é sempre impressionante ler esses escritos de Lima, em que ele se projeta num narrador que sonha ser escritor, mas se afunda na miséria e no alcoolismo. "Sonhei Spinoza, mas não tive força para realizar a vida dele; sonhei Dostoiévski, mas me faltou a sua névoa", escreve ele, emocionante.
Hollanda encontrou mais facilidade para organizar os relatos do autor de "A Moreninha", já que eles foram publicadas em livro pelo próprio Macedo em 1862 (o primeiro volume, que está saindo agora) e 1863 (o segundo, que a Planeta ainda lançará). Sem consultas a manuscritos e respeitando-se a ordem cronológica em que os textos foram publicados no "Jornal do Commercio", a nova edição não erra.


O Cemitério dos Vivos
  
Autor: Lima Barreto
Editora: Planeta
Quanto: R$ 39 (240 págs.)

Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro
    
Autor: Joaquim Manuel de Macedo
Editora: Planeta
Quanto: R$ 43 (334 págs.)


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