São Paulo, sexta-feira, 22 de março de 2002

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"DESEJOS, BAZÓFIAS E QUEDAS"

Hamilton Vaz Pereira perde a piada, mas não perde os amigos

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Poderia ter dado certo. Hamilton Vaz Pereira parte em seu texto de um truque ao estilo de Pirandello: conta a história de uma companhia que deve apresentar uma montagem ainda inacabada a uma platéia que chegou cedo demais. A peça que tentam apresentar, de casais em crise em intermináveis diálogos vazios, é como um capítulo abortado de "Os Normais", o "Seinfeld" carioca. Mal alinhavada, parte de alusões ao mito de Pandora e a Nietzsche e acrescenta personagens meio a esmo, tentando manter um fio narrativo realista, sem chegar a lugar nenhum. Ao não abrir mão de seu desejo de estrear, o espetáculo busca se garantir com piadas metalinguísticas.
Assim, uma atriz substitui outra no meio da apresentação e tem seu figurino feito em dez minutos para um cena final que não acontece. Celulares das personagens tocam constantemente (os atores fingem acreditar que o toque vem do público), interrompendo cenas sem saída para intervenções tanto de personagens da fábula quanto da mãe do contra-regras ou o próprio autor querendo saber como está indo a apresentação. "O público está gostando", tenta afirmar a personagem.
Para garantir a afirmação, os atores (com o autor-diretor entre eles, repetindo em voz baixa seus diálogos e se deliciando) lançam mão da bazófia, ou seja, acreditam que os seus recursos histriônicos sejam suficientes para suprir qualquer falha. Lena Brito e Luciana Braga estão no centro de um elenco que atua despudoradamente, brincando às vezes de constranger a platéia, mantendo a "energia" que vai sustentando o espetáculo, mas também acumulando um certo mal estar. Leonardo Medeiros, de outra praia, contrasta estranhamente ao propor um humor mais interiorizado, que acaba parecendo pálido.
Tentando contrabalancear a irresponsabilidade da bazófia, projeções lembram a dureza do "mundo lá fora" que se pode ver pela televisão. Mas, mesmo abrindo assim a discussão, a maioria dos males dessa caixa de pandora se refere ao cotidiano do Rio: a poluição das praias, o sequestro do ônibus... Explica-se por que na primeira cena, quando deveriam encarar o público para questionar a sua presença ali, os atores visualizam uma platéia distante, falseando o jogo metalinguístico: é outra a platéia que procuram. "O Cacá Diegues está presente", um caco que deve ter sido muito engraçado quando ele realmente estava presente, soa como nostalgia da temporada carioca.
Simpática pela honestidade com que assume suas falhas, a montagem no entanto provoca apenas risos amarelos de uma platéia que acaba se convencendo que não deveria estar lá -simplesmente por não serem cariocas. Os atores se ressentem da falta de risos -o que é fatal para uma montagem baseada na troca com a platéia.
Segundo o bordão da peça, todos mantêm "a atitude de quem vai mostrar uma coisa descomunal", mas sabem ao final da peça que mostraram muito menos. O desejo e a bazófia estão lá, mas a queda também.


Desejos, Bazófias
e Quedas
  
Texto e Direção: Hamilton Vaz Pereira
Com: Ernesto Piccolo, Luciana Braga e outros
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520, Bela Vista, SP, tel. 0/xx/11/3106-2818)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às 19h. Até 24/3
Quanto: R$ 20


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