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"DESEJOS, BAZÓFIAS E QUEDAS"
Hamilton Vaz Pereira perde a piada, mas não perde os amigos
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Poderia ter dado certo. Hamilton Vaz Pereira parte em
seu texto de um truque ao estilo
de Pirandello: conta a história de
uma companhia que deve apresentar uma montagem ainda inacabada a uma platéia que chegou
cedo demais. A peça que tentam
apresentar, de casais em crise em
intermináveis diálogos vazios, é
como um capítulo abortado de
"Os Normais", o "Seinfeld" carioca. Mal alinhavada, parte de alusões ao mito de Pandora e a
Nietzsche e acrescenta personagens meio a esmo, tentando manter um fio narrativo realista, sem
chegar a lugar nenhum. Ao não
abrir mão de seu desejo de estrear, o espetáculo busca se garantir com piadas metalinguísticas.
Assim, uma atriz substitui outra
no meio da apresentação e tem
seu figurino feito em dez minutos
para um cena final que não acontece. Celulares das personagens
tocam constantemente (os atores
fingem acreditar que o toque vem
do público), interrompendo cenas sem saída para intervenções
tanto de personagens da fábula
quanto da mãe do contra-regras
ou o próprio autor querendo saber como está indo a apresentação. "O público está gostando",
tenta afirmar a personagem.
Para garantir a afirmação, os
atores (com o autor-diretor entre
eles, repetindo em voz baixa seus
diálogos e se deliciando) lançam
mão da bazófia, ou seja, acreditam que os seus recursos histriônicos sejam suficientes para suprir qualquer falha. Lena Brito e
Luciana Braga estão no centro de
um elenco que atua despudoradamente, brincando às vezes de
constranger a platéia, mantendo a
"energia" que vai sustentando o
espetáculo, mas também acumulando um certo mal estar. Leonardo Medeiros, de outra praia, contrasta estranhamente ao propor
um humor mais interiorizado,
que acaba parecendo pálido.
Tentando contrabalancear a irresponsabilidade da bazófia, projeções lembram a dureza do
"mundo lá fora" que se pode ver
pela televisão. Mas, mesmo abrindo assim a discussão, a maioria
dos males dessa caixa de pandora
se refere ao cotidiano do Rio: a
poluição das praias, o sequestro
do ônibus... Explica-se por que na
primeira cena, quando deveriam
encarar o público para questionar
a sua presença ali, os atores visualizam uma platéia distante, falseando o jogo metalinguístico: é
outra a platéia que procuram. "O
Cacá Diegues está presente", um
caco que deve ter sido muito engraçado quando ele realmente estava presente, soa como nostalgia
da temporada carioca.
Simpática pela honestidade
com que assume suas falhas, a
montagem no entanto provoca
apenas risos amarelos de uma
platéia que acaba se convencendo
que não deveria estar lá -simplesmente por não serem cariocas. Os atores se ressentem da falta de risos -o que é fatal para
uma montagem baseada na troca
com a platéia.
Segundo o bordão da peça, todos mantêm "a atitude de quem
vai mostrar uma coisa descomunal", mas sabem ao final da peça
que mostraram muito menos. O
desejo e a bazófia estão lá, mas a
queda também.
Desejos, Bazófias
e Quedas
Texto e Direção: Hamilton Vaz Pereira
Com: Ernesto Piccolo, Luciana Braga e
outros
Onde: teatro Oficina (r. Jaceguai, 520,
Bela Vista, SP, tel. 0/xx/11/3106-2818)
Quando: sex. e sáb., às 21h; dom., às
19h. Até 24/3
Quanto: R$ 20
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