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Salvador discute futuro da África
CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR
Roque Araújo, 67, trabalhou em
todos os filmes de Glauber Rocha.
Foi desde eletricista até diretor de
fotografia. Com quase 50 anos de
sets, porém, diz que vez ou outra
ainda toma surpresas no escurinho do cinema. A última foi na
noite do último domingo. "É um
filme impressionante, com tonalidades muito originais, uma suavidade rara, atuações excelentes e
uma fotografia impressionante."
Vem da Mauritânia, no noroeste da África, a película que saiu
carregada de palmas da repleta
sala Walter da Silveira, em Salvador. "En Attendant le Bonheur
-°Heremakono", de Abderrahmane Sissako, foi uma das atrações da primeira edição da Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, que começou sexta na
capital baiana. Foi só uma das várias atrações do evento, mas circunavegou boa parte dos temas
nele apresentados no movimentado final de semana inaugural.
A Mopaac, como o festival pan-africano é chamado na intimidade, discutiu, com cinema, artes e
quatro debates, para onde flutua o
grande continente do meio do
mapa-múndi e como ele se relaciona com os arquipélagos que esparramou pelas Américas.
Com intelectuais, artistas e cineastas, obras de arte e filmes de
mais de 15 países, o evento dirigido pela curadora Solange Farkas
não apresentou consensos. E foi
em alguns momentos de dissensão que ele melhor caminhou.
Um debate sobre cinema, no sábado, é um exemplo. O senegalês
Moussa Sene deu testemunho de
uma África na qual o cartesiano
"penso, logo existo" vem sendo
trocado por "tenho imagens, me
comunico, logo existo". Logo
após, o crítico inglês Rod Stoneman jogou água fria no "logo existo" africano. Disse que na última
década não viu boas mudanças
nem em quantidade nem em qualidade do cinema africano e comentou, com base na sua experiência de ter trabalhado no
Channel 4 inglês, o sumiço dos
"afro-filmes" das TVs européias.
Os dois pontos de vista convivem
de certo modo no "impressionante" "En Attendant le Bonheur".
O título do filme traduz-se por
"à espera da felicidade" e, como
Stoneman frisou e as imagens do
filme apresentam, por meio de
personagens que esperam que algo de bom lhes aconteça, o continente ainda aguarda, nas artes ou
não, por tempos melhores. Mas é
exemplo de uma produção africana que conquistou, entre outros
prêmios, o da crítica internacional de Cannes.
O mesmo binômio se aplica a
vários participantes. A espera por
tempos melhores para a arte de
Angola, representada pelo premiado António Ole, por tempos
melhores para o cinema afro-brasileiro, representado pelo dono de
oito Kikitos de Gramado "As Filhas do Vento", de Joel Zito Araújo, e por aí vai. A cultura de hoje
da África e de suas diásporas fica
assim: "à espera da felicidade",
mas "impressionante".
O jornalista Cassiano Elek Machado
viajou a convite da Mopaac
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