São Paulo, terça-feira, 22 de março de 2005

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Salvador discute futuro da África

CASSIANO ELEK MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A SALVADOR

Roque Araújo, 67, trabalhou em todos os filmes de Glauber Rocha. Foi desde eletricista até diretor de fotografia. Com quase 50 anos de sets, porém, diz que vez ou outra ainda toma surpresas no escurinho do cinema. A última foi na noite do último domingo. "É um filme impressionante, com tonalidades muito originais, uma suavidade rara, atuações excelentes e uma fotografia impressionante."
Vem da Mauritânia, no noroeste da África, a película que saiu carregada de palmas da repleta sala Walter da Silveira, em Salvador. "En Attendant le Bonheur -°Heremakono", de Abderrahmane Sissako, foi uma das atrações da primeira edição da Mostra Pan-Africana de Arte Contemporânea, que começou sexta na capital baiana. Foi só uma das várias atrações do evento, mas circunavegou boa parte dos temas nele apresentados no movimentado final de semana inaugural.
A Mopaac, como o festival pan-africano é chamado na intimidade, discutiu, com cinema, artes e quatro debates, para onde flutua o grande continente do meio do mapa-múndi e como ele se relaciona com os arquipélagos que esparramou pelas Américas.
Com intelectuais, artistas e cineastas, obras de arte e filmes de mais de 15 países, o evento dirigido pela curadora Solange Farkas não apresentou consensos. E foi em alguns momentos de dissensão que ele melhor caminhou.
Um debate sobre cinema, no sábado, é um exemplo. O senegalês Moussa Sene deu testemunho de uma África na qual o cartesiano "penso, logo existo" vem sendo trocado por "tenho imagens, me comunico, logo existo". Logo após, o crítico inglês Rod Stoneman jogou água fria no "logo existo" africano. Disse que na última década não viu boas mudanças nem em quantidade nem em qualidade do cinema africano e comentou, com base na sua experiência de ter trabalhado no Channel 4 inglês, o sumiço dos "afro-filmes" das TVs européias. Os dois pontos de vista convivem de certo modo no "impressionante" "En Attendant le Bonheur".
O título do filme traduz-se por "à espera da felicidade" e, como Stoneman frisou e as imagens do filme apresentam, por meio de personagens que esperam que algo de bom lhes aconteça, o continente ainda aguarda, nas artes ou não, por tempos melhores. Mas é exemplo de uma produção africana que conquistou, entre outros prêmios, o da crítica internacional de Cannes.
O mesmo binômio se aplica a vários participantes. A espera por tempos melhores para a arte de Angola, representada pelo premiado António Ole, por tempos melhores para o cinema afro-brasileiro, representado pelo dono de oito Kikitos de Gramado "As Filhas do Vento", de Joel Zito Araújo, e por aí vai. A cultura de hoje da África e de suas diásporas fica assim: "à espera da felicidade", mas "impressionante".


O jornalista Cassiano Elek Machado viajou a convite da Mopaac


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