São Paulo, sábado, 22 de maio de 2004

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CANNES 2004

Premiados serão anunciados hoje à tarde em competição que dividiu os favoritos em políticos e estéticos

Wong Kar-wai reforça mistério sobre vencedor

SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES

O Festival de Cinema de Cannes termina oficialmente hoje com uma quase decepção, uma grande atuação e um mistério -respectivamente, a exibição de "2046"; o australiano Geoffrey Rush no papel-título de "The Life and Death of Peter Sellers"; e quem, afinal, o júri presidido por Quentin Tarantino premiará na tarde de hoje.
A decepção relativa veio ao final da exibição de "2046". Até então favorito, o chinês Wong Kar-wai exibiu sua ficção futurista em sessões simultâneas para jornalistas e convidados. Na primeira, a recepção foi morna, com um minuto de aplausos e debate na saída sobre se a obra estava terminada.
Kar-wai, 45, justificou o atraso dizendo que o filme tem efeitos especiais de três companhias, o que o levou a refilmar cenas na última hora. Além disso, afirmou, os rolos ficaram retidos três horas em Bancoc, na Tailândia. E a obra é a definitiva?: "É a edição final de maio de 2004. Se me derem mais três semanas ou três meses, continuarei editando", brincou.
"2046" tem problemas, que parecem realmente ser de edição, mas é belíssimo. Retoma o tema dos amores impossíveis ou frustrados de seu "Amor à Flor da Pele", indo além. Desmembra o princípio de "Blade Runner" (82), de Ridley Scott, que redefiniu a maneira de fazer ficção científica.
Kar-wai joga o filme noir nos anos 60, em que o mesmo personagem de "Amor", o jornalista fracassado com a ética dos detetives particulares (Tony Leung), narra suas desventuras com as mulheres em diversos anos, com alguma passagem marcante no Natal. Há a filha caçula do dono do hotel (Zhang Ziyi, excelente), que cai na prostituição e se apaixona por ele. Há a menina que espera notícias do namorado. Há a jogadora compulsiva.
Já a temática futurista vai para "2046" (número tirado de um quarto do tal hotel), uma ficção que o jornalista escreve e pela qual é transportado para aquele ano. Ali, a bordo de um trem que leva as pessoas em direção às memórias perdidas, há o amor não correspondido de um homem por uma andróide, que corre o risco de morrer se tirar os dois pés do chão -a melhor metáfora desse festival: a ficção (a andróide) que perde o sentido se descolada da vida real (os pés no chão).
Tanto pelo cenário quanto pelo vaivém cronológico do roteiro e as trocas de atores sem aviso prévio, "2046" lembra "Cidade dos Sonhos", de David Lynch, mas paga tributo enorme ao cinema americano dos anos 40 e 50, seja pelos figurinos, seja pela trilha.
"2046" só reforça o mistério. O vencedor da mostra será anunciado a partir das 19h15 locais (14h15 de Brasília), e o júri justificará as escolhas amanhã, em iniciativa inédita. Destacados da massa de 19 filmes, os seis favoritos se dividem em dois grupos: o plástico e o político. Nesse embate entre a estética e a ética, no primeiro bloco estariam "2046", o francês "Olhe para Mim", o argentino "La Niña Santa" e o coreano "Old Boy". Já o segundo é de "Fahrenheit 9/11", de Michael Moore, e "Diários de Motocicleta", de Walter Salles.
Se Tarantino for Tarantino, deve optar pelo primeiro grupo. Mas Cannes pode pulverizar sua escolha, premiando os seis filmes.


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