|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CANNES 2004
Premiados serão anunciados hoje à tarde em competição que dividiu os favoritos em políticos e estéticos
Wong Kar-wai reforça mistério sobre vencedor
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
O Festival de Cinema de Cannes
termina oficialmente hoje com
uma quase decepção, uma grande
atuação e um mistério -respectivamente, a exibição de "2046"; o
australiano Geoffrey Rush no papel-título de "The Life and Death
of Peter Sellers"; e quem, afinal, o
júri presidido por Quentin Tarantino premiará na tarde de hoje.
A decepção relativa veio ao final
da exibição de "2046". Até então
favorito, o chinês Wong Kar-wai
exibiu sua ficção futurista em sessões simultâneas para jornalistas
e convidados. Na primeira, a recepção foi morna, com um minuto de aplausos e debate na saída
sobre se a obra estava terminada.
Kar-wai, 45, justificou o atraso
dizendo que o filme tem efeitos
especiais de três companhias, o
que o levou a refilmar cenas na última hora. Além disso, afirmou,
os rolos ficaram retidos três horas
em Bancoc, na Tailândia. E a obra
é a definitiva?: "É a edição final de
maio de 2004. Se me derem mais
três semanas ou três meses, continuarei editando", brincou.
"2046" tem problemas, que parecem realmente ser de edição,
mas é belíssimo. Retoma o tema
dos amores impossíveis ou frustrados de seu "Amor à Flor da Pele", indo além. Desmembra o
princípio de "Blade Runner" (82),
de Ridley Scott, que redefiniu a
maneira de fazer ficção científica.
Kar-wai joga o filme noir nos
anos 60, em que o mesmo personagem de "Amor", o jornalista
fracassado com a ética dos detetives particulares (Tony Leung),
narra suas desventuras com as
mulheres em diversos anos, com
alguma passagem marcante no
Natal. Há a filha caçula do dono
do hotel (Zhang Ziyi, excelente),
que cai na prostituição e se apaixona por ele. Há a menina que espera notícias do namorado. Há a
jogadora compulsiva.
Já a temática futurista vai para
"2046" (número tirado de um
quarto do tal hotel), uma ficção
que o jornalista escreve e pela qual
é transportado para aquele ano.
Ali, a bordo de um trem que leva
as pessoas em direção às memórias perdidas, há o amor não correspondido de um homem por
uma andróide, que corre o risco
de morrer se tirar os dois pés do
chão -a melhor metáfora desse
festival: a ficção (a andróide) que
perde o sentido se descolada da
vida real (os pés no chão).
Tanto pelo cenário quanto pelo
vaivém cronológico do roteiro e
as trocas de atores sem aviso prévio, "2046" lembra "Cidade dos
Sonhos", de David Lynch, mas
paga tributo enorme ao cinema
americano dos anos 40 e 50, seja
pelos figurinos, seja pela trilha.
"2046" só reforça o mistério. O
vencedor da mostra será anunciado a partir das 19h15 locais (14h15
de Brasília), e o júri justificará as
escolhas amanhã, em iniciativa
inédita. Destacados da massa de
19 filmes, os seis favoritos se dividem em dois grupos: o plástico e o
político. Nesse embate entre a estética e a ética, no primeiro bloco
estariam "2046", o francês "Olhe
para Mim", o argentino "La Niña
Santa" e o coreano "Old Boy". Já o
segundo é de "Fahrenheit 9/11",
de Michael Moore, e "Diários de
Motocicleta", de Walter Salles.
Se Tarantino for Tarantino, deve optar pelo primeiro grupo.
Mas Cannes pode pulverizar sua
escolha, premiando os seis filmes.
Texto Anterior: Rodapé: Inventário de perdas e danos Próximo Texto: Geoffrey Rush personifica Peter Sellers Índice
|