São Paulo, sábado, 22 de maio de 2004

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Histórias do olho

Divulgação
Imagem de Feco Hamburguer, que está em cartaz na Pinacoteca, em São Paulo


Mostras na Pinacoteca esclarecem duas "radicalidades" da fotografia

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

A Pinacoteca do Estado inaugura hoje duas exposições exemplares de atitudes clássicas da arte fotográfica, ambas com pitadas de radicalidade.
Num dos conjuntos de corredores do museu, "Metabiótica", que propõe a intervenção na cena, no caso a cena urbana e razoavelmente caótica. No outro espaço, "Noites em Claro", que sugere a observação profunda e aparentemente passiva da paisagem natural, em geral bucólica.
Trata-se apenas de duas possibilidades de entrada no universo visual de Alexandre Órion, responsável pela primeira mostra, e de Feco Hamburguer, o autor da segunda, tão complementares quanto originais.
As fotos de Órion, 25, são resultado de sua intervenção radical na paisagem da metrópole (muros, túneis, esquinas). Designer, artista gráfico e sobretudo grafiteiro, ele incorpora a fotografia como instrumento de perpetuação da transitoriedade de suas obras.
Por intermédio de máscaras de grafite, Órion cria cenários e personagens virtuais para as situações que vai retratar. Fica, depois, à espreita dos personagens reais, os quais não vai manipular; conta com o acaso para que eles "entrem" na sua proposta.
Quando isso ocorre, um terceiro passo é dado, agora no sentido de uma ficção possível, com uma carga de humor notável. A combinação da paisagem original com o grafite e com os personagens de carne e osso, de tão real, acaba assumindo um tom quase teatral.
Como, por exemplo, na cena em que um homem parece ser arrastado por uma moto; em outra em que um assaltante "atira" num transeunte; o garçom de grafite que serve o freguês de verdade; os seres bizarros que aguardam na fila do orelhão; a moça virtual que passeia com o cachorro real.
Além de afixar as fotografias, Órion reproduz nas paredes da Pinacoteca, inteiras ou em parte, pinturas que deram origem a elas, proporcionando uma dinâmica que vai muito além do retrato.
Nas palavras de Diógenes Moura, curador das duas mostras, Órion consegue, na interação da pintura de rua com a fotografia, criar uma intimidade com o olhar do outro, numa investigação poética de um artista que sabe lidar com o acaso.

Dia na noite
Paralelamente ao seu trabalho com fotografia de moda e de publicidade, Feco Hamburguer, 34, decidiu um dia caçar relâmpagos.
Observava o céu e o tempo em busca de situações em que pudesse trabalhar com o imponderável dos raios, tendo a paisagem noturna como pano de fundo. Isso está representado nos trabalhos expostos na Pinacoteca, embora o que mais chame a atenção sejam as fotos em que o que se torna visível é justamente aquilo que não se podia ver no momento da realização da fotografia.
Ao expor prolongadamente a película à noite, Hamburguer acaba captando luz, embora essa luz nem sempre seja visível a olho nu. Assim, o que inicialmente era apenas breu, com um ou outro lampejo de uma estrela, de uma luz artificial fortuita ou da lua filtrada na neblina, acaba se tornando paisagens quase pictóricas.
Ao manipular a relação espaço tempo na técnica de exposição prolongada (que pode chegar a mais de uma hora com o diafragma da câmera aberto), ele sugere uma realidade que só vai existir no retrato final, pleno de cores.
Além das paisagens campestres, com a luz da lua reassumindo o tom dourado do sol e as estrelas riscando suas trajetórias no azul, destaque também para algumas de contextos urbanos. Como o do céu em que a passagem de muitos helicópteros cria desenhos surpreendentes ou o do rearranjo espacial ocasionado pelos aviões que chegam ao aeroporto.

METABIÓTICA, de Alexandre Órion, e NOITES EM CLARO, de Feco Hamburguer. Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/11/229-9844). Quando: de ter. a dom., das 10h às 17h30. Quanto: R$ 4.


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