São Paulo, domingo, 22 de maio de 2005

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"A PAIXÃO DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO"

Filme tenta catequizar com lugar-comum

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

Corria a Primeira Grande Guerra quando "Christus" estreou no teatro Augusto de Roma. A rainha Elena em pessoa compareceu à sessão naquele 8 de novembro de 1916. Restaurado para o jubileu católico de 2000, o filme nos chega agora em DVD, com o nome de "A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo".
"Christus" é o primeiro filme catequético do cinema italiano. Com duração de 77 minutos, mescla gêneros diversos de ação cênica. Mas a subordinação aos lugares-comuns o torna tedioso e ilustrativo.
O diretor Giulio Antamoro iniciou as filmagens no fatídico verão de 1914, à beira da Primeira Guerra Mundial. Antes, experimentara a fábula com o bem-sucedido "Pinóquio" (1911). Para o novo projeto, captaria a atenção do público imitando grandes obras sacras renascentistas, efeito pelo qual a obra ficou conhecida.
Cenas estáticas são intercaladas entre a ação dos personagens. Tais passagens congeladas reproduzem ícones da história da arte: a "Anunciação", de Fra Angélico, o "Batismo", de Perugino, a "Transfiguração", de Rafael, a "Última Ceia", de Leonardo da Vinci, a "Crucificação", de Mantegna, e a "Pietà", de Michelangelo. Assim, criam-se quadros vivos, gênero dramático oposto à cinética do cinema.
Entretanto, alguns efeitos retóricos das obras originais são perdidos. Na escultura de Michelangelo, Jesus é muito menor do que sua mãe, apesar da idade ao morrer, numa alusão ao episódio da premonição dela em relação ao futuro do filho quando este ainda era criança; no filme, repete-se só a pose, pois ambos os atores guardam suas proporções reais.
O decoro interpretativo impera sobre a descrição dos episódios dolorosos. A flagelação é delicadamente impingida por feixe de galhos contra a túnica atada à cintura de Jesus Cristo. O pranto da Mater Dolorosa resume-se a uma única lágrima belamente iluminada, escorrendo sobre rosto alvíssimo. Nenhuma gota de sangue é derramada.
Por outro lado, as locações no Cairo, em Carnac e em Jerusalém impressionam pela época envolvida. A Itália mantivera-se em relativa neutralidade no início da guerra, embora integrasse a Tríplice Aliança com o império alemão e o austro-húngaro. Porém, em 1915, trocou de lado, juntando-se à França, Rússia e Reino Unido. Essa virada é sinalizada pelo acesso do diretor ao Egito, protetorado colonial britânico, e à Palestina, que estava sendo tomada ao império turco pelas forças franco-britânicas de então.
"Christus" popularizou-se como peça doutrinária durante o período fascista da Itália, iniciado pela ascensão de Mussolini em 1922. Até os anos 40, era exibido no interior de oratórios e igrejas, iluminando os templos com a lembrança nostálgica de uma "belle époque" enterrada pela guerra que pariu o século 20.


A Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo
 
Direção: Giulio Antamoro
Distribuidora: Versátil; R$ 45, em média



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