São Paulo, sexta, 22 de maio de 1998

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Jackie Brown


Entra em cartaz em SP o aguradado terceiro filme de Quentin Tarantino; o elenco traz Pam Grier, Samuel L. Jackson, Robert DeNiro, entre outros


LÚCIO RIBEIRO
Editor-adjunto da Ilustrada

Quentin Tarantino está na área. Em inglês a expressão, arrancada dos guetos, tem uma semântica mais expressiva: "Tarantino is in tha house".
As telas dos cinemas de São Paulo estampam a partir de hoje som e imagem de "Jackie Brown", o terceiro e aguardado longa-metragem do diretor que é considerado o nome mais festejado do cinema da década.
Se "Jackie Brown" é funk, Tarantino é rock'n'roll. Para aqueles que têm ao menos um pé atolado na cultura pop, esperar por um novo filme do sujeito é como viver a expectativa do lançamento do novo disco de sua banda predileta.
Indispensável dizer que "Jackie Brown" é uma autêntica cria do cineasta que, com míseros dois filmes iniciais ("Cães de Aluguel" e "Pulp Fiction"), já estabeleceu uma grife no cinema planetário.
Não custa lembrar, Tarantino é aquele que, com triviais discussões sobre massagem nos pés ("Pulp Fiction") e sobre o conteúdo das letras das músicas da Madonna ("Cães de Aluguel"), teceu para estes tempos modernos cenas tão "clássicas" quanto a da escadaria de Odessa em "Encouraçado Potemkin" ou a de Dooley Wilson cantando "As Time Goes By" a mando de Humphrey Bogart em "Casablanca".
Talvez "Jackie Brown" não seja objeto de estudo universitário como seus irmãos mais velhos, mas tudo o que povoa a mente pop doentia de Tarantino está no filme: humor negro, gente freak, deboche, violência, trilha das melhores, referências descaradas à cultura pop, referências sutis à história do cinema, drogas, dinheiro sujo, personagens legais, atores famosos, atores resgatados do arquivo morto de Hollywood.
Pegue tudo acima e coloque em uma trama em que seis seres humanos (vamos colocar assim) correm atrás de 500 mil dólares.
Como se não bastasse ser o melhor contador de histórias da Hollywood atual, Quentin Tarantino é o que melhor faz uso da técnica de edição e da manipulação do tempo no cinema.
Se você ficou chapado com a mesma cena vista pelo ângulo de diversos personagens de "Cães de Aluguel" ou as idas e vindas do tempo real em "Pulp Fiction", as duas técnicas aparecem combinadas em "Jackie Brown", talvez não com o mesmo ineditismo, mas ainda com a mesma graça.
Quem não acha Tarantino brilhante pelo menos há de concordar que ele mexeu com o cinema mundial.
Usando "Jackie Brown" como objeto, vale fazer um "Isto É Tarantino" rápido:
* Spike Lee disse que amou o filme, mas ficou um pouco incomodado com as 38 vezes (ele anotou uma por uma) que a palavra "nigger" (gíria ofensiva para negro) saiu da boca de Samuel L. Jackson.
* Quando os créditos finais do filme estão chegando ao fim, aparece escrito "Obrigado, Samuel Fuller", mestre do cinema americano que mais influenciou europeus como Truffaut, Wenders e Godard.
* Desta vez, Tarantino desencanou de aparecer em um filme seu, mas é sua a voz computadorizada que está na secretária eletrônica de Jackie Brown (Pam Grier).
* Diálogo de Robert De Niro e Bridget Fonda no filme, quando ela serve haxixe para ele:
- Estou velho demais. Não posso fumar nem rir sem tossir depois.
- Tossir é bom. Abre os capilares. Quando você tosse, puxa o ar ou, no caso, a fumaça até as áreas de seu pulmão que costumeiramente não são usadas. É bom. Você fica mais doido.

O filme "Jackie Brown" está aí e é obrigatório. Seja para quem ama seu jeito moderno de fazer cinema ou para quem odeia seu jeito "moderno" de fazer cinema. Tarantino é igual a Coca-Cola: é isso aí!



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