São Paulo, sexta, 22 de maio de 1998

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ARTIGO
Depois do Salão do Livro e às vésperas da Copa

BETTY MILAN
especial para a Folha

A Copa está no ar e o Brasil já entrou em cena de modo espetacular por meio de três imagens.
A capa do "Figaro Magazine", em que Ronaldo, diante de uma bola de pedra, posa para a eternidade. Uma posição que tanto evoca o pensador de Rodin quanto o discóbolo de Miron, evidenciando que entre o espírito e o corpo não há contradição.
Assim fotografado, Ronaldo simboliza um futebol para o qual o impossível não existe, o de um Leônidas, de um Garrincha ou de um Pelé -o futebol brasileiro. Quem abre depois a revista lê que, aos 21 anos, Ronaldo já fez esquecer Pelé. Se o leitor for brasileiro, se dirá que pertence, como os gregos, a um país de heróis.
A segunda imagem impressionante é a da foto da página inteira do "Le Monde" sobre o show de Gilberto Gil no Olympia. Trata-se de um atabaque que duas mãos estão prestes a tocar. Duas mãos cuja particularidade é a de serem negras e estarem à mercê da música. No "Le Monde", lê-se que, para Naná Vasconcelos, bater num tambor é um gesto de engajamento. E o coração então bate porque é a cultura engajada do Brasil que vai desembarcar.
A terceira imagem se espalha pela cidade inteira. É a dos cartazes com uma foto de Gilberto Gil, que imediatamente comove, pois vemos que já é grisalha a sua carapinha, e o sorriso é de mãe-de-santo, tão sereno quanto generoso.
Nesses cartazes, que divulgam o show do Olympia, o que mais impressiona, no entanto, é o que está escrito em baixo do nome do compositor: "Ao vivo na Copa de 98". Porque, pela primeira vez, em 20 anos, o texto está em português.
A gente lê, relê e se diz que o português chegou a Paris graças aos músicos brasileiros. Lembra-se de uma das muitas verdades de "Verdade Tropical": a música é a mais eficiente arma de afirmação da língua portuguesa no mundo. Depois, reconsidera a frase de Caetano à luz da história dos últimos 20 anos e se diz que a língua também chegou por causa dos jogadores de futebol e do autor estrangeiro mais lido na França: Paulo Coelho, cuja identificação com a nossa cultura popular ninguém ignora.
Só resta concluir que, se a nossa literatura um dia efetivamente se impuser aqui, será porque tivemos um Pelé, um Gilberto Gil e um Paulo Coelho. Porque o Braaasilll! foi a nossa locomotiva, a bola não parou de rolar nem o samba de tocar, porque houve um escritor brasileiro que entendeu o processo de globalização.
Talvez não seja errado dizer que o Brasil literário vai se impor na França por meio de uma estratégia que os militares chamam de "indireta" - mas involuntária.
Quem fala grosso e abre caminho é o Braaasilll!


Betty Milan é escritora, autora de "O Papagaio e o Doutor" (Record)



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