São Paulo, sexta, 22 de maio de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Descobridor do Brasil está enterrado em Santarém, ao lado da mulher; projeto cria centro cultural
Cidade restaura "Casa de Cabral'

João Bittar/Folha Imagem
Estudante visita o túmulo de Pedro Álvares Cabral, que está enterrado na Igreja da Graça


HAROLDO CERAVOLO SEREZA
enviado especial a Santarém


Não é fácil a vida das prostitutas. Não bastassem as perseguições de praxe, a prefeitura de Santarém, cidade portuguesa a 90 km de Lisboa, arrumou uma razão histórica para desalojá-las.
Em 9 de março do ano 2000, quando se completarão 500 anos da partida dos 13 navios de Cabral de Portugal, a casa que abrigava o prostíbulo ao pé da Igreja da Graça passará a ser a Casa do Brasil -é possível que Pedro Álvares Cabral tenha lá vivido, depois de retornar da viagem às Índias.
Quando o desalojamento foi concluído, começaram os trabalhos. Mesmo depois disso, José Augusto Rodrigues, arquiteto responsável pelo projeto, tem uma constrangedora história para contar.
"Encontrei uma porta fechada por tijolos, diferentes das paredes da casa, feitas de taipa ou pedra. Peguei a picareta e fui abrir. Quando derrubei a parede..."
Quando a parede caiu, um casal, em trajes que nem merecem descrição, saiu correndo do local.
A reconstrução é apenas parte de um projeto, comandado pelo historiador José Custódio, para tornar Santarém em Patrimônio Histórico da Humanidade.
Na Porta do Sol, uma grande praça que dá para o Tejo, há os muros construídos por soldados romanos. Era Scalabis, a vila militar que ainda dá nome a quem nasce em Santarém (escalabitanos).
A região mais pobre da cidade foi, no início do domínio cristão, uma mouraria, onde viviam apenas muçulmanos até a chegada da conversão forçada. A arquitetura dessa parte da cidade preserva os jardins internos.
O mesmo Brasil volta à história de Santarém. No Palácio dos Menezes, hoje a sede do Conselho Municipal, d. Miguel tentou resistir às tropas leais a d. Pedro 4º (o 1º como imperador do Brasil).
E, na história recente, em Santarém estavam militares que foram decisivos para a Revolução dos Cravos, em 25 de abril de1974.

Dúvidas

É muito pouco provável que Cabral tenha vivido no espaço da casa, mas não há dúvida de que na casa que hoje existe ele não passou nem um dia sequer.
Ela foi toda refeita após o terremoto de 1755, em que muito pouco ficou em pé não só em Lisboa, mas também em Santarém. Sabe-se que o espaço em que está a casa pertenceu a descendentes da família.
A casa deve se transformar num centro cultural, com auditório, bares, elevadores para permitir o acesso de deficientes físicos, biblioteca, computadores etc. Segundo o arquiteto Rodrigues, a casa estará preparada para abrigar inovações tecnológicas.
O que não for possível recuperar está sendo reconstruído com material proveniente do Brasil. É o caso, por exemplo, das madeiras, para forros e pisos.
Haverá também um jardim em que plantas típicas brasileiras serão plantadas.
Santarém está estabelecendo laços com cidades portuguesas e brasileiras relacionadas ao descobrimento. É o caso, por exemplo, de Porto Seguro e Coroa Vermelha, na Bahia, e de Belmonte (cidade em que nasceu Cabral) e Almeirim, em Portugal. Também entram as homônimas Santarém e sua vizinha Almeirim, no Pará.
O custo todo do projeto de criação desta "capital do Brasil em Portugal" está orçado, segundo o prefeito José Miguel Correia Noras, em cerca R$ 950 mil, parte bancada pela Odebrecht. No Brasil, os projetos de enlace recebem apoio da Fundação Banco do Brasil.
A ligação de Cabral, nascido entre 1460 e 1470, com Santarém começa com o casamento. Depois de voltar da viagem às Índias, Cabral cai em desgraça na corte, uma história ainda não bem esclarecida pela historiografia portuguesa.
Toma como esposa d. Isabel de Castro, da nobre família dos Menezes, descendente por parte de mãe dos fundadores do Mosteiro da Graça de Santarém.
Na Igreja da Graça, que também passou por recente processo de restauração, onde estão enterrados, a inscrição na lápide diz: "Aqui jaz Pedro Álvares Cabral e dona Isabel de Castro (...) a qual depois da morte de seu marido foi camareira-mor da infanta dona Maria filha rei d. João".
Não há referência ao descobrimento do Brasil. Quem entra na construção gótica pode pensar que importante mesmo na vida do casal (ele morreu em 1520, ela, em 1538) foi a função exercida por d. Isabel na corte.


Os jornalistas Haroldo Ceravolo Sereza e João Bittar viajaram a Portugal a convite da Odebrecht



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.