São Paulo, sexta-feira, 22 de junho de 2001

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Tudo sobre Pedro e Pina

O espanhol Pedro Almodóvar inicia as filmagens de "Hable con Ella", registrando cenas de "Masurca Fogo", da coreógrafa alemã Pina Bausch, em Paris

FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL A PARIS

"Sem sussurros, sem sexo": é assim que o diretor Pedro Almodóvar ("Tudo sobre Minha Mãe") dá o comando para a filmagem de uma das cenas de sua nova produção "Hable con Ella" ("Fale com Ela"). A Folha acompanhou a bem humorada gravação de cenas de seu 14º filme de longa-metragem no Théâtre de la Ville, em Paris, no último dia 11.
Almodóvar filmou lá cenas de "Masurca Fogo", da coreógrafa alemã Pina Bausch. Antes, já havia registrado cenas dessa peça em Palermo, na Itália, e de "Café Müller", em Wuppertal, a cidade sede da companhia de Bausch . "Estou seguindo Pina feito um cão", disse o diretor espanhol. "Suas peças parecem feitas de encomenda para o roteiro de meu filme", conta.
É a segunda vez que Bausch seduz um diretor de cinema. A primeira vez foi com Federico Fellini em "La Nave Va" (1983). A coreógrafa ganhou o papel de uma princesa cega, imediatamente após o diretor italiano ter assistido a "Café Müller", em Roma. A alemã dança na peça, que continua no repertório da companhia, com os olhos fechados.
Agora, com Almodóvar, a peça entra para a história da cinematografia. É durante uma apresentação de "Café Müller" que os protagonistas do filme, uma delas uma bailarina, se reencontram e iniciam uma história de amor.
"Hable con Ella" conta a trama de um quarteto. A atriz Leonor Watling é uma bailarina com dificuldades de se relacionar com as pessoas. Rosário Flores interpreta uma toureira que sofre de solidão. Javier Câmara é um enfermeiro e o argentino Darío Grandinetti interpreta um jornalista. O filme tem ainda as participações especiais de Marisa Paredes e Geraldine Chaplin. Os atores não participaram das filmagens em Paris.
Trechos de obras de Bausch abrem e encerram a nova produção de Almodóvar. "Masurca Fogo", a romântica produção vista em São Paulo, em dezembro passado, é o final feliz do filme.
O diretor espanhol selecionou duas cenas, nas quais as brasileiras Ruth Amarante e Regina Advento são figuras centrais. Não foi por acaso. Quando esteve em Palermo, Almodóvar já havia registrado cenas de "Masurca", mas não gostou da bailarina argentina que substituía Amarante, na época grávida. "Ela não sabia suspirar como Ruth", disse Almodóvar. Por isso, voltou a registrar imagens da peça com a brasileira.
Quem assistiu à "Masurca" no Brasil vai estranhar o cenário do filme. É que Bausch estava em cartaz com sua co-produção de 2000 sobre a Hungria, "Wieseland", que tem uma imensa plataforma de grama e samambaias com água corrente como cenário.
"Sorriam, pensem no que vocês podem fazer com essas lindas mulheres", pedia Almodóvar aos bailarinos, enquanto Bausch observava a orientação à distância.
Foram três dias de trabalho. Já de volta à Espanha, Almodóvar começa nos próximos dias o período de nove semanas de filmagem com os atores. A previsão é que em março de 2002 ele seja lançado.

Woody Allen
Durante a estada em Paris, Bausch e Almodóvar formaram uma dupla que circulou de braços dados pela cidade. Entre os compromissos, um jantar na casa de Luziah e Gil Hennessy, sócios da poderosa rede LVMH.
A ceia estava mais para uma daqueles festas de "high society" dos filmes de Woody Allen do que para o universo kitsch almodovariano. Num apartamento luxuoso, com vista para o rio Sena, a dupla conversou muito sobre o Brasil, aproveitando a presença do produtor Emilio Kalil, que organizou a co-produção brasileira da nova peça de Bausch.
Enquanto isso, empregados circulavam e até intervinham nas conversas. Uma delas havia ajudado Ernesto Neto a costurar uma de suas instalações na Bienal de Veneza.
Bausch queria sugestões de nome para a peça sobre o Brasil, que estréia em agosto, em São Paulo. "Por que não Bunda-Bausch?", sugeriu Almodóvar. "Tudo lá gira mesmo em torno de sexo, não é?", comentava gargalhando. A coreógrafa não gostou da idéia, prefere algo que tenha a ver com cachaça.
Consenso eles têm quando falam de MPB. São fãs declarados e acham que a música é um tema que os une. "Nós nos parecemos muito, temos o mesmo gosto eclético por música e a utilizamos da mesma forma livre em nossas criações", diz Almodóvar.
O diretor anda enamorado pela voz de Bebel Gilberto. "Ela se parece com a Betty Midler", brinca. A coincidência: é com uma interpretação de Bebel que Bausch abre sua peça à brasileira, a canção "Samba da Benção", de Vinicius de Moraes e Baden Powell.
Caetano Veloso é outro amigo em comum. Ele viaja à Madri em julho para participar também do filme de Almodóvar. Irá cantar no set "Cucurrucucú".
Em outubro, os três, Bausch, Almodóvar e Caetano, estarão juntos em Wuppertal, no festival que a coreógrafa prepara. O brasileiro cantando e o espanhol organizando uma noite espanhola.
Ainda em seu novo filme, o diretor irá incluir duas canções de Tom Jobim: "Por Toda Minha Vida", com Elis Regina, e "Once I Loved", com Shirley Horn. "Se fosse um musical, ele seria o compositor ideal", disse Almodóvar.
Quando participou de "E la Nave Vá", Bausch empolgou-se tanto com cinema, que fez alguns anos depois o filme "O Lamento da Imperatriz".
Agora, questionada se irá se motivar novamente, ela apenas sorri e olha para seu produtor, Matthias Schmiegelt, que responde por ela: "Impossível, sua agenda já está cheia até 2004, inclusive as próximas criações. Em 2002 será sobre Wuppertal, em 2003 sobre a Turquia e em 2004 sobre o Japão". Resta à coreógrafa ver suas obras nas telas em "Hable con Ella".



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