|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
BLOOMSDAY
Festa refaz parte da trajetória do personagem de Joyce
BETTY MILAN
ESPECIAL PARA A FOLHA, EM DUBLIN
Bloomsday é o dia de Leopold Bloom, ou melhor, o da
comemoração do dia em que o
personagem de Joyce vive em
"Ulisses" a sua história: 16 de junho de 1904. Também é o dia em
que Joyce encontrou Nora Barnacle, a companheira. Hoje,
Bloomsday é celebrado em diferentes países e em mais de 200 cidades.
Em Dublin, a festa começou
uma semana antes do dia e se realizou através de manifestações nas
ruas, nas margens do Liffey, no
cemitério, no James Joyce Center.
Havia várias tours organizadas
para mostrar a relação entre a
obra e a cidade. Permitiam descobrir o quão decisivo é o conhecimento desta para entender o
"Ulisses", que Joyce escreveu com
um mapa ao seu lado e uma idéia
precisa do lugar onde cada cena se
desenrola.
Nessa torre, Martello Tower, se
passa o primeiro capítulo, diz o
guia. Um ator vestido de penuar lê
o que Buck Mulligan disse para
Stephan Dedalus no romance:
"Você não foi capaz de se ajoelhar
e rezar por sua mãe, quando ela, já
no leito de morte, te pediu isso".
"Por aqui passou o funeral de
Paddy Dignam", acrescenta o
guia noutro ponto. Ou então: "Na
esquina desta rua, Bloom comprou o rim para o café da manhã
de Molly e, neste pub, os dois se
encontraram".
Nessa tour -que podia durar
duas horas ou o dia inteiro- os
dublinenses contavam a história
da sua cidade contando a do
"Ulisses". O culto de Joyce os torna particularmente criativos na
difusão da obra. Recriaram, por
exemplo, no cemitério de Glasnevin, o enterro de Paddy Dignam,
personagem do romance. Puseram o seu caixão numa carruagem, puxada por dois cavalos pretos e dirigida por dois cocheiros
de fraque, que atravessou o cemitério exatamente como no livro,
mas parou diante dos túmulos
das pessoas que, no começo do
século, inspiraram os personagens e agora estão em Glasnevin.
Ao longo do enterro, um ator,
vestido de padre, leu os textos relativos ao funeral. E o guia não
perdeu a ocasião de contar a história dos grandes revolucionários
ali enterrados. Falou de Emmet,
O'Connell e Parnell, dizendo que
do martírio surgiu a nação irlandesa. Bloomsday também é um
culto dos ancestrais.
A comemoração mais impressionante foi a do próprio dia 16,
que começou com um café da manhã na frente do James Joyce Center. As pessoas estavam vestidas
como na época de Bloom, e os
pratos servidos eram os mencionados no livro. Mesmo quem não
gosta de tomar cerveja e comer
rim de porco de manhã foi tomado pelo que ouvia. Os textos dos
diferentes livros de Joyce ditos
por atores de boina e bengala ou
por atrizes de saia longa e chapéu
de palha, carregando cestas coloridas repletas de frutos, folhas,
flores e botões. Textos ditos séria
ou satiricamente para perpetuar o
espírito irreverente do escritor.
"Last but not least", quem conseguiu entrar no centro, apinhado
de gente, pôde ver o quarto recém-inaugurado de Molly Bloom.
Nele, uma irlandesa de cabelos até
o joelho, Amy Redmond, com um
camisolão branco de época, estava deitada na cama e se despia de
suas vergonhas ousando de hora
em hora o monólogo da mulher
adúltera de Bloom que termina
assim: "Ele então me perguntou
se eu queria dizer sim minha flor
da montanha e eu primeiro pus os
meus braços em volta dele sim e
puxei ele para ele sentir os meus
peitos todos perfume sim e o coração dele batia como louco e eu
disse sim, eu quero sim".
Betty Millan é escritora e psicanalista,
autora de "O Clarão"
Texto Anterior: "Contos Húngaros": "Era uma vez" o inconsciente Próximo Texto: Mônica Bergamo Índice
|